quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Mostra em NY exibe obras de dama da arte concreta



Exposição de Judith Lauand traduz bom momento de brasileiros nos EUA


Geraldo de Barros, Mira Schendel e Lygia Clark também ganharam mostras na cidade americana em 2014
GIULIANA VALLONEDE NOVA YORK
Judith Lauand ganhou notoriedade por sua produção de arte concreta na década de 1950. Mas a obra da artista paulista foi também pop, política, feminista e até subversiva, diz a historiadora de arte americana Aliza Edelman.
Edelman é responsável pela curadoria da primeira exposição individual de Lauand, hoje com 93 anos, em Nova York. São cerca de 30 obras, produzidas entre os anos 1950 e 2000, expostas até 19 de dezembro na galeria Driscoll Babcock.
Lauand não viajou aos Estados Unidos para a mostra por questões de saúde.
A curadora conheceu o trabalho da artista ao escrever um ensaio sobre mulheres e a abstração geométrica nas Américas do Norte e do Sul, em 2010. A partir daí, começou o esforço para levar as obras de Lauand aos Estados Unidos.
"O mais importante para mim ao fazer essa exposição era expandir a conversa sobre Judith. Ela é muito conhecida por sua produção nos anos 1950, mas seu trabalho nas décadas seguintes é incrível", afirmou Edelman à Folha.
Estão na mostra telas que trazem a precisão e o controle da produção concretista, mas também trabalhos que mostram as experimentações da artista com materiais, a estética pop e as críticas subliminares ao regime militar, a partir dos anos 1960.
Judith Lauand foi a única mulher a participar do grupo Ruptura, que fundou no começo dos anos 1950 o movimento concreto. Entre os integrantes, estavam também Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros e Lothar Charoux.
Embora bastante conhecida no mercado de arte da América Latina, a dama do concretismo ainda é pouco familiar ao público europeu e norte-americano. No ano passado, ganhou também sua primeira individual em Londres.
"Ela não viajava para países na Europa ou para os Estados Unidos, então isso a tornou pouco conhecida nesse circuito, diferentemente de outros artistas de sua geração", diz Edelman.
Para conseguir realizar a exposição de Lauand, a curadora aproveitou o bom momento para os brasileiros no mercado americano.
"Há mais atenção à arte latino-americana agora nos Estados Unidos, então tivemos muita receptividade", afirma Edelman. Mira Schendel, Geraldo de Barros e Lygia Clark estão entre os artistas que ganharam mostras em Nova York neste ano.
Berenice Arvani, galerista que representa Lauand, concorda que o momento é bom para os concretistas brasileiros nos EUA. "A receptividade melhorou muito nos últimos anos", disse.
"Quando comecei a trabalhar com a Judith, há sete anos, as obras eram vendidas por R$ 15 mil. Hoje, o preço no mercado chega a US$ 150 mil (R$ 390 mil)." Folha, 26.11.2014.
www.abraao.com

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Obras mais baratas lideram crescimento: Feiras com peças a partir de R$ 2.000 e novas lojas on-line assumem dianteira da expansão do mercado de arte


Eventos como a Parte dobram de tamanho enquanto galerias virtuais planejam até abrir espaços físicos

SILAS MARTÍDE SÃO PAULO
Na última feira Parte, há duas semanas, o empresário Henrique Noya se apaixonou por uma escultura. Decidiu comprar na hora, parcelada em três vezes no cartão de crédito, a obra de R$ 9.500.
"Não posso dizer que tenho uma coleção ainda", dizia. "A gente se mudou para um apartamento maior e queria coisas bacanas para decorar", emendava sua mulher, Violeta.
Em feiras com obras mais baratas, em que trabalhos custam em média R$ 7.000, esse comportamento se repete cada vez mais. Organizadores da Parte estimam ter movimentado mais de R$ 4 milhões, 20% a mais do que no ano passado.
É um crescimento superior ao das galerias mais estabelecidas, que embora tenham registrado uma expansão de 27,5% no ano passado, segundo dados da Abact, associação que representa essas casas, deverá encerrar 2014 com um aumento abaixo de 20%, também de acordo com projeções do mesmo grupo.
Desde que surgiu há quatro anos, a Parte já dobrou de tamanho e turbinou o surgimento de eventos parecidos pelo país, como a Artigo, no Rio, e uma feira que o Memorial da América Latina abre em dezembro. Também alavancou a esfera virtual, sinalizando que esse segmento mais popular tomou a dianteira do mercado.
"Tem gente que vem e faz um rapa', levando cinco obras de uma vez", conta Lina Wurzmann, uma das diretoras da Parte. "São pessoas que têm poder aquisitivo, mas não têm hábito de comprar. É uma questão de treino do olhar."
'GOSTOU? COMPRA'
Também é questão de perder o receio de entrar numa galeria de arte. Nesse ponto, as lojas on-line, em que clientes compram obras de até R$ 6.000 sem ser intimidados pela rispidez que reina no meio, vêm crescendo no país.
Uma das maiores delas, a DemocrArt, está há quatro anos na esfera virtual e cresceu tanto que planeja abrir cinco galerias físicas em três capitais do país em 2015, esperando dobrar o faturamento anual de R$ 3,5 milhões.
Outras galerias virtuais, como a Conectearte e a Turn To Art, também relatam vendas bem acima das expectativas.
Elas ilustram a consolidação de um fenômeno que já vingou no exterior. Um relatório recente da seguradora britânica Hiscox calculou que o mercado global de arte on-line movimentou R$ 4,2 bilhões no ano passado e deve chegar a R$ 9,8 bilhões nos próximos quatro anos.
De acordo com o mesmo estudo, a porta de entrada para esse mercado são gravuras e serigrafias em edições limitadas. São peças de menos de R$ 2.000 que atraem 55% dos colecionadores iniciantes --é o grosso do que vendem as novas galerias virtuais no país.
"Esses sites desmistificam a coisa", diz Fernanda Marochi, sócia do Turn To Art. "Mostra que arte pode ser acessível. Gostou? Compra." Folha, 19.11.2014.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Para atrair visitantes, museu planta obra falsificada em exposição


Por WILLIAM GRIMES


O artista do século 19 James E. Buttersworth foi um titã no campo da arte marinha, mas não pode ser descrito como famoso. Apreciado por suas cenas detalhadas e belas de iates de corrida e clippers (um tipo de veleiro muito veloz), ele é desconhecido pelo grande público, razão pela qual seu poder de atrair visitantes é limitado.
Para superar esse obstáculo, o Mariners' Museum, em Newport News, Virgínia, teve uma ideia inovadora para a mostra que está promovendo da obra do pintor: incluir uma tela falsificada na exposição e desafiar os visitantes a farejar a imitação em meio às 34 obras genuínas de Buttersworth.
Museus e obras falsificadas são inimigos naturais. "O museu não podia dar a impressão de estar gastando dinheiro com o trabalho falsificado e incluindo-o na coleção", disse Lyles Forbes, curador-chefe do museu e organizador da mostra "B Is for Buttersworth, F Is for Forgery: Solve a Maritime Mystery" [B de Buttersworth, F de falsificação: elucide um mistério marinho], aberta em outubro.
Forbes contou que nem sabia ao certo como adquirir uma obra falsificada. Ele contou com a ajuda de um homem que concordou em se identificar apenas como "um amigo do museu".
O amigo se encarregou de obter uma tela falsificada de Buttersworth, tarefa que se mostrou relativamente fácil. Em matéria de falsas obras de Buttersworth, quase todos os caminhos levam a um homem: Ken Perenyi.
Perenyi passou anos estudando e imitando o trabalho de Buttersworth, lucrando com a venda de seus trabalhos a marchands e colecionadores que não sabiam tratar-se de falsificações. Perenyi não hesita em admitir o que fez. Ele relatou seus tempos de "pirata", produzindo telas falsas de Buttersworth e Martin Johnson Heades, os dois pintores que ele mais imitou, no livro "Caveat Emptor: The Secret Life of an American Art Forger", lançado dois anos atrás. Hoje ele faz seu trabalho legalmente.
Por meio de um intermediário, o amigo do museu adquiriu um falso Buttersworth do estoque de Perenyi, pagando entre 5% e 10% do preço que a tela poderia alcançar se fosse autêntica. Perenyi disse que seus preços variam entre US$ 5.000 e US$ 150 mil.
O museu fez questão de não mencionar Perenyi, que disse só ter tomado conhecimento da exposição quando um repórter o procurou, dizendo que um trabalho dele estava na mostra. Forbes explicou: "Não queríamos legitimar o falsificador de qualquer maneira nem passar a impressão de o estarmos promovendo".
Ao entrar na exposição, os visitantes se aproximam de uma imagem digital de "Magic and Gracie off Castle Garden", tela de Buttersworth de 1871 que mostra dois iates, com as velas ao vento, participando de uma regata.
Numa tela de televisão ao lado, "pontos sensíveis" ativados com o toque de um dedo explicam os detalhes do quadro: a assinatura, o tamanho, elementos do segundo plano, o céu e o tempo, o mar e as gaivotas, a composição e os detalhes minuciosos dos barcos.
Ajudados por pistas escondidas nos textos nas paredes, os visitantes tentam identificar a tela falsificada. Aos que a descobriram é pedido que não revelem o segredo.
Forbes convidou Colette Loll, da empresa de consultoria Art Fraud Insights, a escrever alguns dos textos. A respeito de Perenyi, Loll comentou: "Ele parece não sentir qualquer remorso por ter diluído, com todas as falsificações que inseriu no mercado, o conjunto da obra de um artista que alega admirar".
Perenyi se mostra muito disposto a explicar as técnicas necessárias para criar uma falsa tela de Buttersworth: as paisagens de fundo, geralmente de Nova York; o efeito da luz sobre as nuvens e a água, refletindo a influência dos pintores luministas, e a atenção dada aos detalhes. "O mais difícil de emular é o modo como ele pintava a água", disse o falsificador. "Buttersworth não usava a técnica desenvolvida por artistas britânicos para pintar ondas e água. Ele enrola ou torce o pincel com os dedos enquanto o puxa pela tela, obtendo faixas mais iluminadas."
Perenyi disse que o estudo detalhado da obra de Buttersworth e a prática constante o colocam em pé de igualdade com o mestre.
"Se Buttersworth pudesse voltar a viver, ele me daria um aperto de mão", acredita. NYT, 18.11.2014.
www.abraao.com



Artista sapateia no lixão e navega no esgoto em vídeos: Berna Reale mostra novas performances em que critica a política do país

Conhecida como Marina Abramovic do Pará, autora abre a primeira mostra individual em SP, na galeria Millan

SILAS MARTÍDE SÃO PAULO
Uma figura de terno dourado e máscara antigás sapateia sobre um tapete vermelho estendido num lixão ao som de "Singin' in the Rain".
Em sua nova performance, Berna Reale, que abre agora uma mostra na galeria Millan, em São Paulo, tenta escancarar as contradições de um país como o Brasil, onde "é chique morar à beira do esgoto".
Essa artista de Belém, aliás, vive entre dois mundos contrastantes, alternando o trabalho de perita criminal com o de artista plástica. Quando não está investigando assassinatos na capital do Pará, está em seus vernissages em São Paulo e no Rio.
Talvez venha desse trânsito entre o submundo e a pretensa aura de luxo dos museus e galerias de arte a potência aguda de seus trabalhos.
Reale, 48, já serviu um banquete de vísceras sobre o próprio corpo nu a uma revoada de urubus. Também já foi carregada pelada como uma carcaça animal pelas ruas de Belém e saiu vestindo uma focinheira sobre um cavalo pintado de vermelho faiscante.
Essas performances já renderam à artista o apelido de Marina Abramovic do Pará, numa comparação com as ações viscerais da performer sérvia, que já tirou a roupa e se mutilou diante do público.
Mas Reale parece preferir a tragicomédia ao drama de Abramovic. Suas ações ironizam os desmandos da política local, sempre beirando o cômico num país que se acostumou a rir para não chorar.
Nessa pegada histriônica, Reale mandou construir uma canoa que encheu de ratos brancos e saiu remando pelos canais de esgoto de sua cidade, contornando os esqueletos de novas torres de apartamentos que brotam ali.
"Isso tem uma relação com a política", diz Reale. "Parece que os nossos políticos, como esses ratos brancos, navegam no lixo imunes a tudo o que está ao seu redor."
Em sua primeira individual em São Paulo, Reale também mostra um desfile de garotas usando um aparelho na boca que imita as feições de uma boneca inflável, uma alusão a episódios de assédio sexual.
Vestidas de colegial, com camisa branca e minissaia rosa, suas meninas marcham ao som de uma banda militar.
"Queria esse som da repressão", explica Reale. "É para mostrar o quanto isso é silenciado, como elas se calam."
Reale, ao contrário, não fica calada, mas arrisca adentrar um território perigoso no campo da arte ao deixar seu trabalho ganhar cada vez mais um caráter panfletário, o que às vezes põe em xeque a força de suas alegorias.
Ela diz, no entanto, que suas ações não perderam a crueza. "Não tem treino, então nada se torna algo teatral", diz a artista. "Eu ainda interfiro na realidade."

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Onda abstrata

Grandes exposições em cartaz no país reveem a trajetória de dois mestres da arte que aboliram a figuração, com obras do russoWassily Kandinsky, em Brasília, e do alemão Hans Hartung, agora em São Paulo

SILAS MARTÍDE SÃO PAULO
Na superfície são rabiscos, linhas às vezes raivosas, às vezes mais soltas. Mas a pintura de Hans Hartung, uma pesquisa obsessiva dos gestos e da energia dos traços, não passa desse primeiro plano.
Esse artista alemão, morto aos 85, há 25 anos, fez de sua obra uma arquitetura chapada, telas em que traços premeditados entram em choque como num campo de forças.
Nas 162 obras do artista agora no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, fica claro como Hartung tentou eliminar qualquer ideia de profundidade para estabelecer em seus quadros um espaço quase cósmico, um vazio estruturado por suas linhas.
"Ele se interessa mais pelo gesto do que pela figura", diz Bernard Derderian, um dos curadores da mostra. "Não há referências a nada que não esteja na tela. É a cor por ela mesma, a mancha sozinha."
Talvez porque Hartung tivesse horror a qualquer narrativa mais concreta. Nascido na Alemanha, ele se exilou na França e lutou contra os nazistas na Legião Estrangeira, perdendo uma perna na Segunda Guerra Mundial.
Enquanto nos anos 1920 suas aquarelas, já abstratas, refutam qualquer ideia de contornos estruturais e parecem atmosferas coloridas e etéreas, as obras criadas depois do conflito parecem mais erráticas, com traços firmes.
Hartung planejava cada traço em desenhos e depois traduzia essa espontaneidade aparente para as pinturas, num avesso dos espasmos de um Jackson Pollock, o artista norte-americano, morto aos 44, em 1956, que foi o maior herói do expressionismo abstrato nos Estados Unidos.
"Ele era a resposta europeia à obra de Pollock", diz o italiano Achille Bonito Oliva, um dos maiores estudiosos da obra do alemão. "Enquanto Pollock expressa a vitalidade, Hartung criou uma gestualidade meditada. É um gesto que se torna força libertária."
ÚLTIMO RESPIRO
Nesse sentido, Hartung também é visto como o último respiro potente da arte europeia nos anos 1950, quando Nova York desbancava Paris como capital global da cultura.
"Ele foi o último representante da hegemonia da Europa no campo artístico", diz Derderian. "Sua obra se tornou um símbolo da modernidade na pintura abstrata."
No caso, uma modernidade descolada, em certo sentido, de sua biografia. Hartung não narrou histórias. Seu esforço foi criar uma abstração plena, livre de significados, que fosse só uma investigação da potência dos gestos.
É nesse ponto que Hartung, na opinião de Bonito Oliva, tomava distância da primeira geração de artistas abstratos, que pareciam fazer de seus traços uma ilustração das cicatrizes da guerra.
"Sua arte é fruto de um ritual iniciático", diz Bonito Oliva. "É uma coisa capaz de curar e ao mesmo tempo engendrar um novo movimento."

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Livro do melhor da arte do século 21 tem 4 brasileiros


Recém-lançado pela editora Phaidon, volume traz 85 nomes da arte mundial


Renata Lucas, Rivane Neuenschwander, Ernesto Neto e Marcelo Cidade são os artistas do Brasil presentes na obra
SILAS MARTÍDE SÃO PAULO
Enquanto Ernesto Neto é festejado pelas formas "amorfas e pendulares" de suas esculturas gigantes, Rivane Neuenschwander é lembrada pela "celebração do efêmero" em sua obra plástica.
Junto deles, Marcelo Cidade e Renata Lucas são os outros dois brasileiros que aparecem em "The 21st Century Art Book", pretensioso volume recém-lançado pela editora britânica Phaidon que tenta elencar o melhor das artes visuais deste século.
Um desses livrões que fazem bonito em qualquer mesinha de centro, o lançamento vale mais por seu aspecto decorativo do que por um conteúdo mais substancial a respeito desses artistas.
Mas essa não é mesmo a ideia. "Queríamos coisas com um apelo visual, que ficassem bonitas na página", conta Rebecca Morrill, editora do livro. "No mundo ideal, seríamos mais rigorosos com a seleção, mas acabamos incluindo coisas de todos os tipos."
Nesse sentido, o "21st Century Art Book" não deixa de listar entre os nomes decisivos do século que acaba de começar celebridades como Jeff Koons, Damien Hirst, Takashi Murakami e outros que há muito já extrapolaram o mundo das artes plásticas e viraram cabeças de uma indústria do entretenimento disfarçada de arte erudita.
Mas o livro tem méritos ao selecionar artistas às margens do circuito de festas, leilões e merchandising.
Figuras centrais da arte atual, como o alemão Tino Sehgal, que nem deixa fotografar suas performances, o norte-americano Theaster Gates, que vem redefinindo discursos sobre racismo na arte contemporânea, e a obra multifacetada da francesa Dominique Gonzalez-Foerster estão todos no volume.
"Queríamos equilibrar artistas que atingem grandes valores nos leilões com outros que não têm essa reputação", diz Morrill. "A ironia é que quando incluímos artistas mais marginais num livro como esse, eles também acabam se valorizando."
Na seleção, há quatro brasileiros num total de 85 artistas --Ernesto Neto, maior celebridade das artes do país, é uma escolha que se encaixa no quesito impacto visual.
Neuenschwander, Lucas e Cidade, todos operando num registro mais sutil, revelam para o mundo um lado menos espalhafatoso e mais complexo da arte do país.
Nesse ponto, o Brasil do século 21, pelo menos no olhar dos editores da Phaidon, está menos afetado, longe das plumas e paetês, e mais cerebral.
Enquanto Lucas e Cidade questionam a formação das cidades, com obras em madeira e concreto, nada coloridas, Neuenschwander se firma como arquiteta do acaso, juntando tralhas e dejetos esquecidos em busca da beleza possível em lugares improváveis.
"Sei que parece cedo demais para falar do século 21, mas a arte explodiu em termos de mercado e interesse", diz Morrill. "Isso virou um fenômeno global, e a arte passou a ser vista de outra maneira."

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Fotografia de moda ganha chancela artística

Por MELANIE ABRAMS

"Os fotógrafos de moda são os novos pintores", disse Peter Lindbergh enquanto preparava a exposição de suas dramáticas imagens em preto e branco na galeria Gagosian em Paris.
Quem teria imaginado, nos estonteantes anos 1980, quando as imagens naturalistas clicadas por Lindbergh de Linda Evangelista, Cindy Crawford e outras criaram o conceito de supermodelo, que o mundo da arte deixaria de desprezar a fotografia de moda por seu caráter comercial?
Atualmente, a fotografia de moda é uma estrela artística em ascensão, atraindo multidões e seduzindo colecionadores. Até a indústria da moda está demonstrando mais respeito por essa vertente fotográfica.
Grandes nomes ganham espaço em museus, a exemplo da elegância clássica de Horst no Victoria and Albert Museum, em Londres, e de "Alta Moda", exposição de Mario Testino que mostra peruanas em trajes típicos, no Dallas Contemporary.
Mark McKenna, diretor-executivo da Herb Ritts Foundation, citou a crise econômica iniciada em 2008 como o catalisador para a valorização da fotografia de moda. "As pessoas queriam se cercar de imagens de glamour e beleza, pois a situação era assustadora e as fotos de moda representavam o oposto do que estava acontecendo em seu cotidiano", explicou ele.
Com a explosão de blogs de street-style, do Instagram e do Pinterest, a fotografia de moda se tornou uma nova linguagem visual. "Estamos muito cientes da aparência atual das pessoas, e é dessa maneira que vemos as fotos hoje em dia", disse Michael Hoppen, cuja galeria em Londres representa favoritos do mundo da moda, como Ellen von Unwerth e William Klein.
Elizabeth Broun, diretora do Museu Smithsonian de Arte Americana, em Washington, declarou: "Estamos bem mais receptivos à fotografia de moda porque mudamos o foco de alta arte para cultura visual em geral".
Várias exposições têm atraído multidões, comprovando o amplo interesse que despertam. A exposição de Ritts em 2012 no Getty Museum em Los Angeles teve 364.656 visitantes, e "Images of Woman and the Unknown" (imagens da mulher e do desconhecido), de Lindbergh, causou furor nesta primavera na HDLU em Zagreb, Croácia. Segundo a galeria, ela atraiu 11.200 visitantes em três semanas, sendo a exposição de arte contemporânea de maior sucesso nos últimos dez anos na Croácia e nos países vizinhos.
Exposições de moda também geram novas oportunidades comerciais para as galerias. Brett Rogers, diretora da Photographers' Gallery em Londres, disse que a demanda para alugar a galeria para eventos corporativos aumenta em média 20% quando há exposições de fotografia de moda como as de Edward Steichen, marcante pelas silhuetas femininas elegantes, e da fotógrafa holandesa Viviane Sassen, com seus looks vibrantes, ambas com abertura agendada para 31 de outubro.
"Certas exposições de fotografia são ousadas demais para corporações", disse ela, "porém belos trajes fazem mais empresas desejarem se associar a eles e oferecer entretenimento nesses espaços."
A fotografia de moda também se tornou um investimento cada vez mais atraente. Os preços em leilões têm disparado, com fotos de moda sendo intensamente disputadas, graças a fotógrafos célebres como Richard Avedon, Helmut Newton, Irving Penn e Lindbergh. Dois dos três lotes principais no leilão de fotografia realizado pela Christie's em abril em Nova York, por exemplo, eram compostos por imagens de Penn, e a foto "Mulher com Rosas no Braço", de 1950, que mostra Lisa Fonssagrives-Penn com um vestido de noite de Jeanne Lafaurie, foi vendida por US$ 185 mil.
A fotografia de moda também ganhou reconhecimento como uma parte importante da indústria de moda atual, disse Inez Van Lamsweerde, que, junto com Vinoodh Matadin, forma uma dupla conhecida nesse meio. Suas imagens de moda manipuladas digitalmente são expostas com frequência em espaços como o Museu Whitney de Arte Americana e a Bienal de São Paulo.

"Nós traduzimos a ideia dos estilistas em uma imagem que as pessoas querem adquirir", comentou Van Lamsweerde. "Hoje em dia isso é mais valorizado devido à internet e à necessidade de haver conteúdo interessante on-line em uma cultura saturada de imagens." NYT, 21.10.14 

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Patrimônio cultural vira alvo de facção

Por GRAHAM BOWLEY

Yasser Tabbaa, especialista em arte e arquitetura islâmica, lembra de ter visitado um santuário do século 13 dedicado ao imã Awn al-Din, em Mossul, no norte do Iraque. O prédio foi um dos poucos a sobreviver à invasão mongol e tinha um teto abobadado belíssimo, como uma colmeia.
Por isso, ele ficou consternado quando viu um vídeo na internet que mostrava o santuário sendo explodido pela facção Estado Islâmico (EI) e virando uma nuvem de pó. "Acabou-se, simplesmente", disse Tabbaa.
Checar como estão os tesouros culturais da Síria e do norte do Iraque virou uma tarefa que parte o coração de arqueólogos e estudiosos da antiguidade. A lista de obras destruídas, depredadas ou saqueadas só cresce à medida que o EI avança no Iraque.
Extremistas sunitas estão intencionalmente destruindo santuários, estátuas, mesquitas, túmulos e igrejas -qualquer coisa que vejam como exemplo de idolatria.
"Esta região representou o centro do mundo para todos os grandes impérios da humanidade", disse Candida Moss, professora da Universidade de Notre Dame, em Indiana. "Estamos falando em gerações sucessivas de história em um só lugar, todas sendo destruídas ao mesmo tempo."
Em um discurso no mês passado, John Kerry, o secretário de Estado dos EUA, prometeu ação. "Nosso patrimônio histórico e cultural corre perigo. Acreditamos ser imperativo agir", disse.
Nos últimos três anos de guerra, contudo, vários grupos internacionais chegaram ao limite do que podem fazer. Em muitos casos, a segurança de edificações históricas ficou a cargo dos moradores das redondezas, muitos dos quais correram riscos enormes para defendê-las.
Os estudiosos não sabem ao certo o que já foi destruído. Os artefatos variam de minaretes do início do século 20 a tesouros milenares. Para muitos especialistas, a maior catástrofe é a de Aleppo, um terminal mercantil da antiguidade e maior cidade da síria. A parte central do "souk", um grande e vibrante labirinto de lojas e pátios decorados do século 17, foi destruída pelo fogo. Era o coração comercial da cidade, importante para entender como as pessoas vivem desde os tempos medievais.
Os combates danificaram a Grande Mesquita de Aleppo, uma das mais antigas da Síria. Sua biblioteca, que continha milhares de manuscritos religiosos raros, foi queimada. O famoso minarete de mil anos foi derrubado. A icônica cidadela de Aleppo, um dos castelos mais antigos do mundo e sítio de escavações arqueológicas, erguida sobre um promontório rochoso maciço, também foi alvejada. Ela vem sendo usada como base por forças do governo e foi atingida por foguetes.
Para Charles E. Jones, especialista em antiguidades na universidade Pennsylvania State, parte dos danos pode ser reparada. Mesmo assim, "não será a mesma coisa. Quando uma construção foi derrubada, foi derrubada."
Mais ao sul, a guerra danificou o Crac des Chevaliers, um dos maiores e mais bem preservados castelos de cruzados no mundo, uma maravilha da engenharia medieval que atesta as correntes cruzadas das civilizações europeia e islâmica. Boa parte dos danos foi causada pela decisão do governo de bombardear posições rebeldes, mas, segundo especialistas, os trabalhos de reparo já começaram.
Parte dos saques a sítios arqueológicos sírios pode ter sido promovida ou incentivada pelo EI ou por redes criminosas maiores, mas tanto as forças governamentais quanto os militantes parecem estar se beneficiando.
Um dos lugares mais saqueados é Apamea, no oeste da Síria, que era um dos sítios romanos e bizantinos mais bem preservados do mundo, com uma rua em colunata e mosaicos. Agora, segundo especialistas que viram fotos aéreas, com todas as crateras deixadas pelos saqueadores, o sítio mais parece a face da Lua. "Levaram quatro a cinco meses para pilhar Apamea", disse Emma Cunliffe, consultora de patrimônio cultural. "Há muitos saqueadores com escavadeiras mecânicas."
Ainda mais grave, possivelmente, é a pilhagem de Dura-Eupopos, no leste da Síria. Fundado num platô à margem do rio Eufrates, o sítio foi um posto avançado e fortificado do império romano e contém um tesouro arqueológico multicultural, incluindo uma sinagoga do século 3° e um dos mais antigos exemplares de uma "casa-igreja" cristã, uma forma primitiva de arquitetura eclesiástica.
Mas, apesar de todos os danos causados pelos saques, nada assusta os estudiosos mais que os militantes do EI. "A velocidade com que estão avançando pelo Iraque realmente lembra o avanço dos mongóis", disse Sheila R. Canby, curadora do Metropolitan Museum, em Nova York.
Os militantes do EI e outros são motivados pelo desejo de punir a "shirk", ou idolatria. Sob essa justificativa, eles vêm destruindo sítios xiitas e sufistas, estátuas de poetas, relíquias mesopotâmicas da Assíria e da Babilônia e santuários sunitas que extrapolam os limites de suas crenças.
Extremistas atacaram igrejas de Maaloula e danificaram artefatos em Raqqa, no norte da Síria, onde destruíram uma estátua assíria de um leão do século 8 a.C.. Em Mossul, no norte do Iraque, e redondezas, os militantes já destruíram dezenas de santuários sufistas e xiitas menores, túmulos, mesquitas e construções do período otomano, segundo a arqueóloga Lamia al-Gailani Werr. Possivelmente a mais importante baixa cultural do EI até agora seja uma mesquita, destruída em julho, que continha o que se acreditava ser o túmulo do profeta bíblico Jonas, cuja história faz parte do cristianismo, do islã e do judaísmo.
As convenções internacionais deveriam ajudar a proteger o patrimônio cultural durante conflitos violentos. Mas, segundo Bonnie Burnham, do Fundo Mundial de Monumentos, o tratado principal -a Convenção de Haia para a Proteção da Propriedade Cultural no Caso de Conflitos Armados, de 1954- é pouco aplicada.
Existem programas pequenos: a Unesco e o Smithsonian Institute, por exemplo, estão ensinando curadores de museus sírios a proteger coleções. A Iniciativa do Patrimônio Cultural Sírio pretende publicar relatórios semanais e tem um site na internet para receber denúncias anônimas de danos.
Muitos esperam que o avanço desenfreado do Estado Islâmico perca força à medida em que o grupo for combatido.
"Quando eles começarem a perder terreno, terão outras prioridades", disse Burnham*
Colaboraram Anne Barnard e Tom Mashberg. NYT, 14.10.14

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Os vernisseiros

CHICO FELITTI - COLUNISTA DA "SÃOPAULO"

"É um colecionador", diz o dono da galeria apontando para o sujeito vestido com uma camisa de couro de crocodilo e cuja cabeça é cortada ao meio por uma faixa de adesivo preto, imitando tatuagem. Quase: João Índio, 59, é recepcionista do Paço das Artes e coleciona na mente imagens que vê quase diariamente em vernissages.
Índio faz parte de um grupo mais ou menos organizado de cerca de 15 pessoas que frequentam eventos de arte na maioria das noites. "Vou a quatro ou cinco por semana", diz Renata Paccola, 51, poeta (o último livro, "Grilhões de Vidro", foi publicado em 2003) e "vernisseira".
"Faz 20 anos que vou a este tipo de evento, de segunda a quinta", explica ela na abertura da mostra de Rivane Neuenschwander no MAM.
O museu do parque Ibirapuera não exige ingresso para seus rega-bofes e funcionários já conhecem a trupe pelo rosto. A chefia dali nutre alguma simpatia por eles. É recíproca: "Tem espumante aqui, coisa rara hoje em dia", diz Paccola, brindando.
As festas, dizem em consenso, decaem desde os anos 1990. "Tinha banquete na Fiesp, não era coquetel", conta Índio. Mas ainda se fazem boas aberturas: "É quando tem patrocínio de marcas".
Como a estreia da Tag Gallery no centro, há três semanas, que tinha logomarcas de uma cervejaria e de um uísque em seu convite. A bebida era à vontade, uma rara Meca para os "vernisseiros".
"É uma forma de fazer amigos", diz o fotógrafo Wilson Rodrigues, 53, com quem aFolha trombou em cinco vernissages das últimas três semanas. Ele nega que os comes e bebes são o que o motiva a sair.
Já Índio admite: "Sou considerado um boca-livre, se bem que estou de dieta, então mais bebo do que como", diz ele, usando a mão que não está tomada pela taça de champanhe rosé para mostrar a forma física.
Para ser um "vernisseiro", inverte-se a lógica laboral: o "fim de semana" é composto por segunda, terça e quarta, com mais eventos. Sábado é o dia mais morto da semana.
O grupo diz não se comunicar antes de sair, mas acaba indo quase sempre à mesma boca-livre artística, pinçada de guias on-line.
Quem ensina é a artista plástica Ingrid Müller, 70.
Na terça, 16, ela protagonizou uma interação com um artista da Galeria André, nos Jardins. Ia em direção à última cumbuca de sopa de abóbora com roquefort que a garçonete oferecia. A mão do artista Antonio Peticov, que pintou algumas das telas ali expostas, chegava pelo outro lado com velocidade igual. Antes da colisão, Peticov se desculpou e deixou a colega levar a derradeira entrada.
VOCÊ TEM CONVITE?
Dois curadores disseram achá-los "simpáticos". Outros três disseram os tomar por colecionadores. Afirmam que nunca foram barrados.
"Mas tem coisa que não conseguimos, como o jantar da Bienal [pré-estreia só para portadores de convite nominal, como o empresário Abilio Diniz e a ministra Marta Suplicy]. Aliás, você tem convite?", perguntou Müller.
Outra integrante, que se identificou apenas como Cristina (a maioria não quis dar entrevista), liga a relevância das obras com a do coquetel.
"A gente está falando da importância da exposição, é evidente. É um desprestígio servir coisas ruins durante a abertura." Enquanto ela fala, outro homem do grupo, João, se aproxima de Renata (a poeta) e cochicha: "Tem carpaccio". Os dois rumam às telas próximas à porta que garçons usam para entrar no salão.
Sozinho, num canto, Índio diz sobre os "colegas": "Eu os conheço artificialmente". Paccola discorda: "Há uma cumplicidade. A mãe de um morreu e fomos ao velório".
Mas as "inscrições" para "vernisseiros" estão fechadas. "Não vai escrever que dá para entrar sem convite", pede Renata, "ou todo mundo vai vir e não vai sobrar nada".

Aberturas minguam e pedem até que se leve o próprio vinho

DE SÃO PAULO
Para o infortúnio dos "vernisseiros", seis instituições de arte ouvidas pela Folhaadmitiram, pedindo para não ser nomeadas, que diminuíram gastos com comes e bebes nos últimos dois anos.
Uma queixa é unânime na trupe: a Caixa Cultural, no centro, teria quase acabado com eventos. Procurado, o museu não se pronunciou.
Cansada de ouvir que não poderia ter várias aberturas por ano na galeria grande que a representava ("Falaram que tinha eleição, Carnaval, não sei mais o quê!"), a artista plástica Sandra Martinelli, 50, decidiu fazer uma vernissage de si mesma há um mês.
Pendurou as obras em um estacionamento da Vila Madalena e mandou convites pedindo que cada convidado levasse seu próprio vinho e copo. "Funcionou bem. Afinal, o foco tem de ser a arte."

 Folha, 26.09.14

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Mostra com obras superficiais deveria se chamar 'Truque'

CRÍTICA ARTES VISUAIS

FABIO CYPRIANO

CRÍTICO DA FOLHA
O funcionamento de grandes espaços culturais criou um mecanismo um tanto perverso dentro do atual sistema das artes visuais no país. Com uma programação que funciona por meio de editais, esses locais delegaram a produtores culturais a apresentação de projetos, deixando de pensar uma programação coerente, baseada na pesquisa e na continuidade, como ocorre em grandes instituições.
Com isso, na maioria dos casos, a lógica do marketing domina a programação desses espaços, como o Centro Cultural Banco do Brasil, e as exposições programadas visam, em primeiro lugar, o maior público possível, independentemente do conteúdo.
"Ciclo", exposição em cartaz no CCBB paulista, é o exemplo mais bem acabado dessa política de terceirização da cultura.
Organizada por Marcello Dantas, competente produtor cultural que, por conta desse sistema, foi alçado a curador, a mostra é uma reunião de obras que visam criar impacto através de uma operação simples: a sobreposição de objetos semelhantes em grandes quantidades. É uma prática de efeito fácil e rápido.
Na fachada do CCBB está "Nuvem de Parede", de Michael Sailstorfer, composta por dezenas de câmeras de ar de pneu. Já no saguão, estão outras dezenas de bancos sobrepostos, em "O Empurrão de Sansão, ou Composição", de Ryan Gander. Lá também está o monumental lustre com absorventes, "A Noiva", de Joana Vasconcelos.
No cofre do antigo banco, 10 mil palitinhos compõem "Modelo para a Sobrevivência", de Julia Castagno, enquanto, pisos acima, Tara Donovan cria uma paisagem com 700 mil copos de plástico.
As 14 obras da mostra revelam-se, assim, absolutamente superficiais, já que sua conexão é justamente o acúmulo de materiais. Dantas, no breve texto da mostra, aponta Marcel Duchamp como o precursor dessa operação quando, há cem anos, levou uma roda de bicicleta para o espaço expositivo.
A questão é que Duchamp, com essa simples atitude, trouxe um novo caminho para a arte. "Ciclo", ao contrário, apenas reforça o estado da sociedade de espetáculo que evita qualquer reflexão. O nome mais adequado para a mostra seria "Truque".
CICLO
ONDE CCBB, r. Álvares Penteado, 112, tel. (11) 3113-3651
QUANDO de qua. a seg., das 9h às 21h. Até 27/10
QUANTO grátis
AVALIAÇÃO ruim


Folha, 23.09.2014.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Cineasta destacado, Julian Schnabel tem pintura reconhecida

Telas do diretor de 'O Escafandro e a Borboleta' passam por momento de valorização crítica e chegam ao Masp

Mostra tem telas dos anos 1980 até hoje, algumas delas pintadas sobre lona de caminhão e até em velas de barcos
SILAS MARTÍDE SÃO PAULO
Quando Julian Schnabel despontou no mundo da arte, no fim dos anos 1970, críticos não sabiam o que dizer sobre sua obra, em especial suas pinturas sobre pratos quebrados.
Uma única certeza era ligar sua aparição --tão espalhafatosa e espetacular quanto os altos preços de suas obras-- a uma época de crise de valores, com a arte entrando de vez no mundo das finanças.
Não é diferente de hoje. Suas famosas pinturas sobre pratos quebrados não estão em sua mostra agora no Masp, mas estão lá composições pintadas sobre lonas de caminhão e velas de barco.
Schnabel, mais conhecido do público por ter dirigido filmes como "O Escafandro e a Borboleta" e "Antes do Anoitecer", já era pintor antes de sua incursão no cinema.
Mas agora ele voltou a pintar, despertando reações semelhantes às dos anos 1970, ou seja, voltou a estar na moda, para o bem ou para o mal.
Depois de uma exposição no início deste ano na galeria Gagosian, em Nova York, Schnabel chega ao Masp chancelado pela crítica internacional, que enfim reconheceu sua influência sobre as novas gerações de pintores.
"Venho fazendo minhas pinturas do mesmo jeito nos últimos 40 anos, mas os gostos vão mudando", diz Schnabel. "Esse reconhecimento poderia ter acontecido décadas atrás, mas é agora que novos artistas parecem estar olhando mais a minha obra."
E essa obra, Schnabel gosta de frisar, surge da liberdade na escolha dos materiais, ou de coisas vistas de relance que ele traduz em telas carregadas de cor e certa violência nos gestos, como se as pinturas surgissem em surtos espontâneos de criatividade.
Sua ideia de pintar sobre cacos de pratos, por exemplo, veio da visão do parque Güell, em Barcelona, famoso pelos mosaicos de porcelana colorida inventados por Gaudí.
Numa viagem ao Cairo, Schnabel convenceu pescadores a venderem as velas de seus barcos para que ele usasse como tela em suas pinturas, enquanto lonas de caminhão em forma de cruz são a base para a série de obras que criou em homenagem ao amigo Cy Twombly, pintor americano morto há três anos.
"Queria materiais que me deixassem fazer pinceladas maiores", conta Schnabel. "São coisas utilitárias, usadas para cobrir e esconder objetos, como as lonas, que abrem caminhos para novos significados na minha obra."
De fato, Schnabel não parece esconder nada. A transparência de seus processos e a crueza dos materiais estão em sintonia com o seu desejo expansivo, às vezes desesperado, de contar histórias.
No caso da série sobre Twombly, Schnabel retoma a ideia do artista para quem as pinturas eram arenas cheias de referências a heróis da literatura, ou seja, a pintura como espécie de campo magnético e transcendental, capaz de digerir outras artes.
Nesse ponto, seu cinema não está distante da obra plástica. Schnabel, que já contou em filme a vida do poeta cubano Reinaldo Arenas e do artista americano Jean-Michel Basquiat, diz que retratar alguém numa pintura não está distante disso.
"Quando você retrata alguém, é sua responsabilidade não deixar aquela imagem escapar", afirma Schnabel. "É como atores em cena, que naquele momento também estão muito vulneráveis. Vejo isso como ir para a guerra com alguém, sendo que o objetivo é voltar vivo para casa."

    quarta-feira, 3 de setembro de 2014

    A arte da fuga

    Quem leva a sério a opinião política dos artistas? Eu não. Deixei de o fazer com a ruína dos regimes totalitários. Nas pinturas de Isaak Brodsky (sobre Lênin); nos filmes de Leni Riefenstahl (sobre Hitler); e nas telas de Alessandro Bruschetti (sobre Mussolini), a "arte política" deixou um testamento vergonhoso, que passou pela legitimação –melhor: pela exaltação das virtudes de psicopatas. Exceções, sempre houve. Mas o casamento entre arte e política normalmente deu maus resultados. A "arte pela arte" não é apenas um bordão do século 19. É um conselho prudente para quem tem pretensões de se dedicar a ela.
    Por isso ri alto com a carta aberta que 55 artistas enviaram à Fundação Bienal de São Paulo.
    Ponto prévio: nenhuma pessoa adulta escreve cartas abertas em manada; quando falamos de artistas, ou pretensos artistas, a coisa ainda soa pior. Ou a arte vive da autonomia individual, ou não vive. Só covardes assinam em manada.
    Mas os 55 revoltaram-se com o apoio financeiro que Israel concedeu à Bienal. Não querem dinheiro judeu porque acreditam que esse dinheiro, depois da guerra em Gaza, conspurca as suas integridades estéticas.
    Se o dinheiro fosse da Autoridade Palestina, ou até do Hamas, talvez a conversa fosse outra. Não é. É de Israel.
    Não vou regressar ao conflito entre Israel e o Hamas, que vive agora a sua trégua clássica antes do próximo confronto. Enquanto o mundo não entender direito a natureza islamita e jihadista do Hamas, não vale a pena gastar latim com o assunto.
    Mas talvez não seja inútil fazer uma pergunta meramente teórica: de que vive a arte, afinal?
    Arrisco uma resposta: a arte vive da liberdade. Um clichê sem grande importância?
    Errado. Parafraseando Saul Bellow, eu gostaria de conhecer o Balzac dos zulus. Não conheço. Se Nova York, Londres ou Berlim são centros de excelência estética, isso deve-se à estabilidade política e à riqueza material de tais cidades.
    E mesmo que a arte seja "engajada", o que já me parece uma corruptela da sua vocação, convém que o "engajamento" seja direcionado para os alvos certos.
    Os 55 artistas da Bienal falham nos dois planos.
    Começando pela liberdade, basta consultar os rankings da ONG Freedom House para 2014. Não vou cansar o leitor com números e mais números. Resumindo, digo apenas: Israel é o único país do Oriente Médio e do norte de África considerado "livre". O resto oscila entre "parcialmente livres" (Tunísia, Líbia, Kuait) e "não livres" (Iraque, Irã, Arábia Saudita).
    E, para ficarmos na vizinhança de Israel, é a desgraça: Jordânia, Egito ou Síria continuam antros de repressão. Os 55 artistas, que deveriam defender a liberdade de expressão como quem defende o oxigênio, assinam uma carta contra o único país que respeita essa liberdade em todo o Oriente Médio.
    E sobre os direitos humanos? Fato: Israel merece várias linhas de condenação nos relatórios anuais da Human Rights Watch, outra ONG independente. Mas nada que se compare ao comportamento dos mesmos países do Oriente Médio, para não falar da vizinhança em volta.
    Um bom indicador do respeito pelos direitos humanos está no tema clássico da pena de morte. Israel aboliu-a para crimes civis. Do Egito à Jordânia, do Líbano à Autoridade Palestina, a execução judicial continua a verificar-se.
    Digo "judicial" porque o Hamas, todos o sabemos, prefere fazer as coisas de forma "extrajudicial", fuzilando traidores no meio da rua.
    De resto, será preciso dissertar sobre a diferença entre os "direitos" das mulheres ou dos homossexuais em Israel e nos países em volta? Será preciso recordar o histórico de amputações de membros e lapidações de adúlteras que existe por aquelas bandas?
    E será preciso acrescentar alguma coisa à selvageria do Estado Islâmico do Iraque e do Levante, que pelo visto não incomoda os 55 artistas da Bienal de São Paulo?
    Criticar Israel é legítimo. Nenhum governo está acima da crítica. Transformar Israel em pária internacional é uma forma de cegueira antissemita.
    Eu só respeitarei a "coragem" dos 55 artistas no dia em que eles viajarem para Bagdá, Riad ou Gaza e escreverem uma carta contra os governos locais. Em defesa da liberdade e dos "direitos humanos". Folha, 02.09.2014.
    Isso, claro, se ainda tiverem mãos para escrever.
    joão pereira coutinho
    João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do 'Correio da Manhã', o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro 'Avenida Paulista' (Record) e é também autor do ensaio 'As Ideias Conservadoras Explicadas a Revolucionários e Reacionários' (3 Estrelas). Escreve às terças na versão impressa e a cada duas semanas, às segundas, no site.