quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Brasília recebe 'escultura social' de Beuys: Mostra no Museu Nacional revê carreira do artista alemão que criou arte engajada a partir de escombros da guerra

Entre as obras célebres da retrospectiva, estão o trenó e seu terno de feltro, alusões ao calor e ao movimento
SILAS MARTÍENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Numa de suas performances mais célebres, Joseph Beuys trancou o público para fora da galeria. Pela janela, eles viam o artista alemão caminhar com uma lebre morta no colo, enquanto sussurrava explicações de seus desenhos na orelha do bicho.
"Essa foi a ação que mais prendeu a atenção das pessoas", diria Beuys, que morreu aos 64, em 1986. "Explicar algo a um animal revela os segredos do mundo e mostra que até um bicho morto tem mais poder de intuição do que humanos teimosos."
Essa retórica fleumática associada a imagens chocantes formam a base da obra plástica de Beuys, um dos artistas mais influentes do século 20 e voz política poderosa na Alemanha do pós-guerra. Ele tem agora uma grande retrospectiva em cartaz no Museu Nacional, em Brasília.
Em suas performances e esculturas, o artista defendia a ideia de que a arte é a única coisa com poder de "desmantelar os repressivos efeitos do senil organismo social que continua a vigorar cambaleante em direção ao fim".
De senilidade, Beuys viu muito. Ele serviu à força aérea alemã na Segunda Guerra e sofreu um acidente de avião em 1944 que virou mito fundador de sua estética.
Ele contava, com fartas doses de exagero, que perdera quase toda a pele e foi resgatado por nômades, que o embrulharam em gordura animal e feltro --dois materiais recorrentes em suas obras.
Uma delas, na mostra, é um terno todo de feltro que ele mandou costurar. Outra é um trenó, que vem amarrado a uma lanterna, um pedaço do tecido e mais gordura.
De certa forma, esse vocabulário sintético estrutura seu discurso de que a arte não passa de estratégia de sobrevivência num mundo em escombros --uma fonte de calor, orientação e movimento.
Quase toda sua obra, aliás, está calcada num movimento difícil de exibir em exposições, já que muito do que fez foram performances, atos realizados ao vivo em ruas e galerias, ou instalações quase impossíveis de remontar.
No Museu Nacional, estão resquícios delas, como as latas de mel que aludem a uma instalação de 1977, que bombeava duas toneladas de mel por tubos de plástico que se arrastavam por duas salas.
Seu coração sintético fazia circular um produto do trabalho coletivo --Beuys via nas colmeias uma metáfora de sociedade ideal e daí cunhou a ideia de "escultura social", uma arte que tentava remodelar estruturas cívicas.
"Ele fala de coisas que o homem precisa", diz Wagner Barja, diretor do Museu Nacional. "Sua obra é o ruído depois de um longo silêncio."
JOSEPH BEUYS
QUANDO de ter. a dom., das 9h às 18h30; até 9/2
ONDE Museu Nacional, Setor Cultural Sul, lote 2, Brasília, tel. (61) 3325-5220
QUANTO grátis

Fonte: Folha 29.02.2014.
www.canotusmusic.blogspot.com


www.canotusmusic.blogspot.com


www.canotusmusic.blogspot.com