terça-feira, 25 de março de 2014

Galeria em Nova York recria mostras do regime nazista

ISABEL FLECK - DE NOVA YORK
Em julho de 1937, duas grandes exposições de arte foram abertas ao público em Munique, ambas organizadas pelo regime de Adolf Hitler.
A primeira se destinava a doutrinar os alemães sobre o que deveria ser, de fato, considerado arte.
A segunda mostra, inaugurada a apenas 500 metros da outra, tinha como meta gerar um sentimento de repulsa sobre a arte moderna, ou "degenerada", como determinaram os nazistas.
A diferença entre as duas pode ser vista agora na Neue Galerie, em Nova York, que as recriou na exposição "Degenerate Art: The Attack on Modern Art in Nazi Germany" (Arte Degenerada: O Ataque à Arte Moderna na Alemanha Nazista). São mais de 50 obras, muitas delas confiscadas pelos nazistas por anos.
"Hitler queria restabelecer Munique como a principal cidade para as artes na Alemanha. Então houve essas exposições simultâneas, que estabeleciam o que era apropriado e o que não era em termos de arte", afirma o curador, o alemão Olaf Peters.
Idealizada pelo ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, a exposição "Arte Degenerada", no entanto, acabou atraindo 2 milhões de visitantes --quatro vezes mais do que a "Exposição da Grande Arte Alemã".
Em um vídeo gravado por um jornalista americano, é possível ver o público percorrendo os corredores da "Arte Degenerada".
"Você tem a impressão de que era a primeira vez que muitas daquelas pessoas iam a uma exposição de arte moderna", diz o curador. "Mas muitas outras foram para se despedir desse tipo de arte, aquela poderia ser a última vez que viam algo assim."
A tela "Eternos Caminhantes", de Lasar Segall, foi uma das que integrou a mostra. Enviada pelo Museu Lasar Segall, em São Paulo, faz parte da exposição em Nova York, que segue até 30 de junho.
As peças consideradas "apropriadas", por sua vez, eram de artistas alemães ligados ao nazismo e pinturas clássicas ou realistas.
A disposição na Neue Galerie segue o mesmo padrão das exposições de Munique. Na sala dedicada à "Exposição da Grande Arte Alemã", um local amplo, com paredes brancas, há obras espaçadas e bancos para sentar.
Na que reúne as pinturas e esculturas da "Arte Degenerada", há paredes escuras, quadros amontoados e espaço apertado. Na exposição original, as paredes eram pichadas com frases contra a arte moderna.
"O tipo de arte e o tipo de apresentação foram as principais diferenças entre as duas exposições. Na Arte Degenerada', a instalação foi feita de maneira bruta e propagandista, com a intenção de influenciar a opinião do visitante", observa Peters.
Estima-se que mais de 20 mil obras, em sua maioria modernistas, foram confiscadas de museus estatais alemães pelo nazismo.
Mais de 5.000 delas devem ter sido destruídas. A perda é retratada na mostra de Nova York, com molduras vazias e nomes das pinturas ausentes.
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quarta-feira, 19 de março de 2014

Rio recebe as obras hiper-realistas do artista Ron Mueck: Esculturas do australiano retratam cenas do cotidiano e surpreendem por dimensões e expressões faciais

Nove obras poderão ser vistas a partir de amanhã no Museu de Arte Moderna; exposição vai até junho
FABIO BRISOLLADO RIO
Uma escultura de uma mulher com as sacolas de compras vem sendo a peça que mais desperta a atenção do público na exposição "Ron Mueck", promovida pela Fundação Cartier, que chega ao Rio amanhã, no Museu de Arte Moderna, após passar por Paris e Buenos Aires.
Além das sacolas, a mulher, vestida com um sobretudo, carrega um bebê. E, enquanto é observada pela criança, ela direciona seu olhar para outra direção. O rosto da personagem é expressivo, com rugas e olheiras que sinalizam cansaço.
É o hiper-realismo das esculturas do artista australiano Ron Mueck que impressiona os visitantes --mais de 400 mil na primeira escala desta mostra, em Paris, no início do ano passado, e cerca de 170 mil em Buenos Aires.
São nove esculturas que contrastam pela discrepância na proporção de cada uma. Sentada, a idosa, em traje de banho e sob um guarda-sol, mede mais de dois metros de altura. O homem, deitado em seu colo, mantém dimensões semelhantes.
Já a mulher que traz o bebê dentro do sobretudo tem 113 centímetros de altura.
Mueck não justifica suas escolhas, nem fala sobre suas motivações na criação de cada peça. Seguindo o padrão de Paris e Buenos Aires, cada obra exposta no MAM terá uma ficha de identificação com informações básicas como título e ano de produção.
"Mueck não considera necessário contar a história da obra. Para ele, mais importante é o que o espectador sente ao ver a escultura", disse Charles Clarke, assistente do artista, que coordenou a montagem das peças no MAM. Mueck não veio ao Brasil.
Faz parte da exposição um documentário sobre o processo de produção do australiano, que mora em Londres.
Em seu estúdio, ele usa, por exemplo, materiais como fibra de vidro e silicone para reproduzir a textura da pele dos personagens. Mueck desenvolveu algumas técnicas no período em que trabalhou com a produção de efeitos especiais para a indústria do cinema nos anos 1980.
Na década seguinte, ele iniciou sua incursão na arte. Sua produção ao longo da carreira se resume a 40 esculturas, aproximadamente.
"Nove peças em uma exposição poderia ser considerado pouco. Mas, no caso de Mueck, representa quase um quarto da obra", disse Grazia Quaroni, curadora da mostra.
A serviço da Fundação Cartier, ela mantém contato direto com Mueck --a ponto de saber a história que levou à criação da escultura da mulher com as sacolas de compras.
"Ele viu esta cena quando andava pela rua e fez um desenho com a imagem da mãe sendo observada pelo bebê. Em outra ocasião, ele encontrou outra mulher na rua, na mesma situação. A partir daí decidiu criar uma obra para registrar aquele momento", contou Grazia.
De acordo com a curadora, a mulher retratada não existe, de fato: "Mas a cena captada por ele faz parte do nosso cotidiano".

quarta-feira, 12 de março de 2014

Livro reúne as cinco décadas de carreira do multiartista Aguilar: Pintor, escultor, performer e líder de grupo musical, o paulistano acaba de dirigir um longa

Nova série de pinturas e tridimensionais, 'Rios Voadores', é inspirada nos cursos d'água de Alter do Chão, no Pará
ÚRSULA PASSOSDE SÃO PAULO
Amanhã será lançado no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, o livro "José Roberto Aguilar - 50 Anos de Arte", sobre a trajetória e a obra do multiartista paulistano.
Pintor, escultor, videoartista, performer e líder de um grupo musical, Aguilar, 72, agora aguarda, "para depois da Copa do Mundo", o lançamento do filme "Anna K.", que ele dirigiu e roteirizou.
Com a atriz Leona Cavalli no papel principal, o longa conta a história de uma mulher que às vezes é possuída por Anna Karenina.
"Ela é meio maluca, às vezes é tomada pelo personagem do romance de Tolstói, que quer levá-la ao suicídio outra vez", diz Aguilar à Folha, em entrevista no seu ateliê na Bela Vista.
Há cerca de dez anos, o artista e sua mulher compraram uma casa em Alter do Chão, no Pará, e ali surgiu a inspiração para a sua nova série de pinturas e trabalhos tridimensionais, "Rios Voadores", que remete aos cursos d'água da região.
"O que me atraiu foi a magia, as pessoas. Aquela região é como se fosse a gênese acontecendo naquele instante, e as pessoas são muito lindas, são paisagens maravilhosas as artérias dos rios."
ENTRE LIVROS
Quando apresentado por críticos de arte, Aguilar é comumente descrito como autodidata, por não ter frequentado escolas de artes.
"Nunca separei artes plásticas da cultura em geral. A minha influência foi muito literária, sempre fui um devorador de livros", conta.
Seus dois escritores favoritos do momento são o chileno Roberto Bolaño e o mestre americano da ficção científica, Philip K. Dick.
"Toda minha pintura foi uma extensão da literatura. Até hoje, os caras me criticam muito porque escrevo nas telas. E me meto em todas, faço videoarte, tem a Banda Performática, tudo isso faz parte do mesmo caudal."
Nos anos 1980, ele formou o grupo musical Aguilar e a Banda Performática, do qual faziam parte, entre outros, os cantores Arnaldo Antunes e Paulo Miklos. Como líder do grupo, Aguilar cantava e fazia performances no palco.
"É a única banda em que o band leader' não sabe nada de música", brinca.
O disco de 1982, com uma de suas pinturas na capa, tinha como carro-chefe a canção "Você Escolheu Errado Seu Super-Herói", mais tarde gravado pelas Frenéticas.
Aguilar tem planos de voltar com a banda, sem a formação original, dessa vez com com "maior desconstrução sonora, sintetizadores".
"Quando você está no palco você desaparece, parece iluminação, você é apenas movimento, ação."
Cercado de telas de todos os tamanhos em sua casa e ateliê, Aguilar diz que hoje é mais difícil o artista iniciante expor do que era quando ele começou, nos anos 1960.
"É uma tortura absurda, porque tem uma fórmula para entrar numa galeria que é altamente alienante."
Já ele expôs em sua primeira Bienal em 1963, aos 22 anos. "A Bienal era democrática, você mandava seu trabalho e era julgado por uma comissão, foi assim que comecei minha carreira", diz. Para Aguilar, o artista faz porque não pode deixar de fazer: "É existencial. Você é escalado por algum gênio da lâmpada a fazer alguma coisa."
Ele ainda não sabe como será a distribuição de "Anna K.".
"A gente é meio cult', tenta ser, pelo menos", declara. "Cult' é um palavrão, uma armadilha, é não ser popular, não ser para a massa. Mas alguém há de ver. A gente não pode ser outra coisa, infelizmente. Cantar a gente não sabe, pintar a gente tenta, então, tem que ter um rótulo."
Obra antecipou a arte de rua e o sonho de uma vanguarda global
SILAS MARTÍDE SÃO PAULODa captura da "aura psíquica" das coisas, como diz o músico Jorge Mautner, a suas "orgias de cores", na descrição do também músico Arnaldo Antunes, a obra de José Roberto Aguilar parece atravessada por um eixo em mutação: a pintura.
Suas primeiras telas, influenciadas pela literatura e marcadas por certo desdém pelo apuro técnico, nascem densas, carregadas de matéria e calcadas na representação de espaços fantásticos.
São estranhos seres humanoides, que se fundem a flores e plantas ou ganham feições animalescas, sempre retratados em ambientes achatados, como se figura e fundo fossem moldados a partir da mesma energia cósmica.
Da mesma forma que a pintura vai perdendo o fôlego na evolução da arte contemporânea, as pinturas de Aguilar também ensaiaram passos para se libertar do quadro.
Ele se livra do peso da tinta acrílica, adota o esmalte sintético, usa pistolas de ar comprimido e aos poucos seus traços, mais diluídos, saltam dos quadros para estampar carros, banheiras e até painéis de alumínio.
Sem qualquer relação com os neoconcretistas, Aguilar acabou trilhando a mesma rota, fundindo arte e vida ao criar uma espécie de proto-grafite, pinturas desgarradas que não se aguentavam dentro da tela.
É como se prenunciasse a arte de rua, encarnando um Jean-Michel Basquiat tropical, macunaímico.
Embora sua pintura não tenha ido às ruas e avenidas, Aguilar se multiplicou em várias frentes, da videoarte à performance e estridentes incursões musicais à frente de sua Banda Performática.
Tanto que o artista chegou a se descrever como um dadaísta. Tocou piano com luvas de boxe na Pinacoteca, em São Paulo, fez uma bailarina sair de uma enorme melancia durante um show e atacou os demônios, entre eles o "bom gosto" e o "esnobismo" que assolavam a arte brasileira nos anos 1970.
Mas podia ser hoje. Aguilar, num trânsito constante entre São Paulo, Londres e Nova York, realizou antes da globalização o sonho de uma vanguarda sem fronteiras, misturando Bukowski aos ensinamentos do hinduísmo.
Mas essa fúria criativa vai perdendo força na última fase da carreira. Com o retorno à pintura nos anos 1980, Aguilar cria telas abarrotadas de grafismos, arabescos mergulhados num gestual que lembra os expressionistas abstratos americanos.
Depois de experimentos mais livres, suas obras mais recentes parecem domesticadas, como se obedecessem a uma cartilha que ele mesmo desprezava de antemão. Aguilar não deixou de ancorar sua produção em referências fecundas, mas parece ter estacionado. Sua aversão ao mercado e a modismos talvez esteja por trás dessa atitude. Mas seus espasmos de outrora fariam bem à cena atual.
    Folha, 12. 03.2014
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terça-feira, 11 de março de 2014

Manifesto do Futurismo de 1913 - Veja as razões que o levaram ao Fascismo

Manifesto do Futurismo

  1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e da temeridade.
  2. A coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa poesia.
  3. A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase, o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco.
  4. Nós afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia.
  5. Nós queremos entoar hinos ao homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada também numa corrida sobre o circuito da sua órbita.
  6. É preciso que o poeta prodigalize com ardor, fausto e munificiência, para aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.
  7. Não há mais beleza, a não ser na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças desconhecidas, para obrigá-las a prostrar-se diante do homem.
  8. Nós estamos no promontório extremo dos séculos!... Por que haveríamos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade onipresente.
  9. Nós queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo - o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher.
  10. Nós queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academia de toda natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.
  11. Nós cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos as marés multicores e polifônicas das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas; as estações esganadas, devoradoras de serpentes que fumam; as oficinas penduradas às nuvens pelos fios contorcidos de suas fumaças; as pontes, semelhantes a ginastas gigantes que cavalgam os rios, faiscantes ao sol com um luzir de facas; os piróscafos aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de largo peito, que pateiam sobre os trilhos, como enormes cavalos de aço enleados de carros; e o voo rasante dos aviões, cuja hélice freme ao vento, como uma bandeira, e parece aplaudir como uma multidão entusiasta.
É da Itália, que nós lançamos pelo mundo este nosso manifesto de violência arrebatadora e incendiária, com o qual fundamos hoje o "Futurismo", porque queremos libertar este país de sua fétida gangrena de professores, de arqueólogos, de cicerones e de antiquários. Já é tempo de a Itália deixar de ser um mercado de belchiores. Nós queremos libertá-la dos inúmeros museus que a cobrem toda de inúmeros cemitérios.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Quanto vale uma obra de arte? Uma vida?

CONTARDO CALLIGARIS
Você acharia certo colocar vidas humanas em perigo para salvar tesouros culturais e artísticos?
Um jornalista perguntou a Marcel Duchamp: se você estivesse no museu do Louvre no meio de um incêndio e pudesse salvar só um quadro, qual obra você salvaria?
Duchamp tinha a (merecida) reputação de ser um provocador, e o jornalista talvez esperasse levá-lo a confessar algum amor envergonhado por uma obra clássica. Mas Duchamp respondeu à altura de sua reputação; ele disse, sem hesitar: "Salvaria o quadro que está mais próximo da saída".
Era também um jeito de dizer que nenhuma obra, para ele, justificaria que alguém se expusesse ao risco de perder a vida. Não é surpreendente, vindo de um artista que passou a segunda e maior parte de sua existência sem produzir obra alguma e tentando transformar sua própria vida numa obra de arte.
De qualquer forma, será que eu, se estivesse num hipotético incêndio, tentaria salvar um Duchamp? Pensei em duas obras que talvez valessem o esforço, "O Grande Vidro" e o "Nu Descendo a Escada". O "Nu", de 1912, é um quadro cubista, e eu não sou muito fã do cubismo (se fosse um Cézanne pré-cubista, já seria outra história).
"O Grande Vidro" tem o problema de ser, justamente, grande e de vidro --péssimo para transporte apressado em caso de incêndio. Os quadros que Duchamp pintou antes de 1912 são respeitáveis, mas só isso. E, quanto aos "ready-mades" (a roda de bicicleta, o urinol etc., que ele genialmente assinou e transformou em arte), o que importa é o ato, o conceito. Será que vou arriscar a vida por um urinol industrial, só porque ele foi assinado por Duchamp? Mesmo se o urinol fosse destruído, o ato de Duchamp não seria perdido; bastaria que alguém o relatasse e o interpretasse direito.
Nessa perspectiva, obras de arte conceitual ou de arte póvera, por exemplo, não valeriam o sacrifício de ninguém, nunca. Mas melhor não generalizar. (Nota. A pergunta é muito útil como quiz na hora de selecionar um casal: você encararia o incêndio para um Jackson Pollock? E para um Carpaccio?)
O filme "Caçadores de Obras-Primas", de George Clooney, é baseado em três livros de Robert M. Edsel, "Caçadores de Obras-Primas, Salvando a Arte Ocidental da Pilhagem Nazista" (Rocco) e também "Saving Italy" e "Rescuing Da Vinci" (com uma copiosa documentação fotográfica).
Edsel conta a história dos "Monuments Men", mais de 300 homens e mulheres de diferentes países que, durante a Segunda Guerra Mundial, no teatro de operações europeu, foram encarregados de salvar o patrimônio cultural da destruição e do saque. Eram diretores de museus, curadores, historiadores da arte etc.
A questão levantada pelo filme de Clooney não sai facilmente da cabeça: faz sentido colocar vidas humanas em perigo para salvar obras-primas?
Engraçado. Em geral, achamos aceitável morrer por dinheiro (muitos topariam correr riscos extremos numa grande caça ao tesouro). Também entendemos que alguém se sacrifique pelos princípios fundamentais nos quais ele acredita. E consideramos meritório morrer para salvar outras vidas. Mas para salvar uma obra de arte?
O filme de Clooney, que apresenta um verdadeiro dilema moral, responde mais ou menos assim: as obras de arte do passado (longínquo ou não) nos representam e nos definem. Sobreviver não é suficiente, é preciso preservar o patrimônio que nos lembra quem somos.
Concordo, mas a questão é complexa. As grandes obras do nosso passado, o políptico dos Van Eyck em Ghent ou a madona de Michelangelo em Bruges, são patrimônio de nossa cultura. Ora, somos todos filhos dessa mesma cultura, tanto nós, que nos identificamos com a cavalaria dos aliados, quanto os outros, que tentaram destinar a Europa à barbárie totalitária.
Os Van Eyck e Michelangelo são, em suma, antepassados de todos, de quem inventou os campos e de quem morreu neles: as obras são o passado de nossa civilização --e nossa civilização inclui nossa barbárie.
Outra complexidade vem do fato de que a ideia do valor insubstituível de cada vida humana é um achado recente. Até 200 anos atrás, havia pletora de coisas que pareciam valer mais do que a vida: a honra, a palavra dada, a fé... Por que não uma obra de arte?
Antes de negar com indignação, um teste. Você acha intolerável a troca de uma obra pela vida de um homem? Entendo. Mas imagine o pacto mágico seguinte: você poderia salvar da destruição "O Beijo", de Klimt, à condição de desejar que o pastor Feliciano contraia uma pneumonia grave. Sem hipocrisia, ok?