quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Livro do melhor da arte do século 21 tem 4 brasileiros


Recém-lançado pela editora Phaidon, volume traz 85 nomes da arte mundial


Renata Lucas, Rivane Neuenschwander, Ernesto Neto e Marcelo Cidade são os artistas do Brasil presentes na obra
SILAS MARTÍDE SÃO PAULO
Enquanto Ernesto Neto é festejado pelas formas "amorfas e pendulares" de suas esculturas gigantes, Rivane Neuenschwander é lembrada pela "celebração do efêmero" em sua obra plástica.
Junto deles, Marcelo Cidade e Renata Lucas são os outros dois brasileiros que aparecem em "The 21st Century Art Book", pretensioso volume recém-lançado pela editora britânica Phaidon que tenta elencar o melhor das artes visuais deste século.
Um desses livrões que fazem bonito em qualquer mesinha de centro, o lançamento vale mais por seu aspecto decorativo do que por um conteúdo mais substancial a respeito desses artistas.
Mas essa não é mesmo a ideia. "Queríamos coisas com um apelo visual, que ficassem bonitas na página", conta Rebecca Morrill, editora do livro. "No mundo ideal, seríamos mais rigorosos com a seleção, mas acabamos incluindo coisas de todos os tipos."
Nesse sentido, o "21st Century Art Book" não deixa de listar entre os nomes decisivos do século que acaba de começar celebridades como Jeff Koons, Damien Hirst, Takashi Murakami e outros que há muito já extrapolaram o mundo das artes plásticas e viraram cabeças de uma indústria do entretenimento disfarçada de arte erudita.
Mas o livro tem méritos ao selecionar artistas às margens do circuito de festas, leilões e merchandising.
Figuras centrais da arte atual, como o alemão Tino Sehgal, que nem deixa fotografar suas performances, o norte-americano Theaster Gates, que vem redefinindo discursos sobre racismo na arte contemporânea, e a obra multifacetada da francesa Dominique Gonzalez-Foerster estão todos no volume.
"Queríamos equilibrar artistas que atingem grandes valores nos leilões com outros que não têm essa reputação", diz Morrill. "A ironia é que quando incluímos artistas mais marginais num livro como esse, eles também acabam se valorizando."
Na seleção, há quatro brasileiros num total de 85 artistas --Ernesto Neto, maior celebridade das artes do país, é uma escolha que se encaixa no quesito impacto visual.
Neuenschwander, Lucas e Cidade, todos operando num registro mais sutil, revelam para o mundo um lado menos espalhafatoso e mais complexo da arte do país.
Nesse ponto, o Brasil do século 21, pelo menos no olhar dos editores da Phaidon, está menos afetado, longe das plumas e paetês, e mais cerebral.
Enquanto Lucas e Cidade questionam a formação das cidades, com obras em madeira e concreto, nada coloridas, Neuenschwander se firma como arquiteta do acaso, juntando tralhas e dejetos esquecidos em busca da beleza possível em lugares improváveis.
"Sei que parece cedo demais para falar do século 21, mas a arte explodiu em termos de mercado e interesse", diz Morrill. "Isso virou um fenômeno global, e a arte passou a ser vista de outra maneira."

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Fotografia de moda ganha chancela artística

Por MELANIE ABRAMS

"Os fotógrafos de moda são os novos pintores", disse Peter Lindbergh enquanto preparava a exposição de suas dramáticas imagens em preto e branco na galeria Gagosian em Paris.
Quem teria imaginado, nos estonteantes anos 1980, quando as imagens naturalistas clicadas por Lindbergh de Linda Evangelista, Cindy Crawford e outras criaram o conceito de supermodelo, que o mundo da arte deixaria de desprezar a fotografia de moda por seu caráter comercial?
Atualmente, a fotografia de moda é uma estrela artística em ascensão, atraindo multidões e seduzindo colecionadores. Até a indústria da moda está demonstrando mais respeito por essa vertente fotográfica.
Grandes nomes ganham espaço em museus, a exemplo da elegância clássica de Horst no Victoria and Albert Museum, em Londres, e de "Alta Moda", exposição de Mario Testino que mostra peruanas em trajes típicos, no Dallas Contemporary.
Mark McKenna, diretor-executivo da Herb Ritts Foundation, citou a crise econômica iniciada em 2008 como o catalisador para a valorização da fotografia de moda. "As pessoas queriam se cercar de imagens de glamour e beleza, pois a situação era assustadora e as fotos de moda representavam o oposto do que estava acontecendo em seu cotidiano", explicou ele.
Com a explosão de blogs de street-style, do Instagram e do Pinterest, a fotografia de moda se tornou uma nova linguagem visual. "Estamos muito cientes da aparência atual das pessoas, e é dessa maneira que vemos as fotos hoje em dia", disse Michael Hoppen, cuja galeria em Londres representa favoritos do mundo da moda, como Ellen von Unwerth e William Klein.
Elizabeth Broun, diretora do Museu Smithsonian de Arte Americana, em Washington, declarou: "Estamos bem mais receptivos à fotografia de moda porque mudamos o foco de alta arte para cultura visual em geral".
Várias exposições têm atraído multidões, comprovando o amplo interesse que despertam. A exposição de Ritts em 2012 no Getty Museum em Los Angeles teve 364.656 visitantes, e "Images of Woman and the Unknown" (imagens da mulher e do desconhecido), de Lindbergh, causou furor nesta primavera na HDLU em Zagreb, Croácia. Segundo a galeria, ela atraiu 11.200 visitantes em três semanas, sendo a exposição de arte contemporânea de maior sucesso nos últimos dez anos na Croácia e nos países vizinhos.
Exposições de moda também geram novas oportunidades comerciais para as galerias. Brett Rogers, diretora da Photographers' Gallery em Londres, disse que a demanda para alugar a galeria para eventos corporativos aumenta em média 20% quando há exposições de fotografia de moda como as de Edward Steichen, marcante pelas silhuetas femininas elegantes, e da fotógrafa holandesa Viviane Sassen, com seus looks vibrantes, ambas com abertura agendada para 31 de outubro.
"Certas exposições de fotografia são ousadas demais para corporações", disse ela, "porém belos trajes fazem mais empresas desejarem se associar a eles e oferecer entretenimento nesses espaços."
A fotografia de moda também se tornou um investimento cada vez mais atraente. Os preços em leilões têm disparado, com fotos de moda sendo intensamente disputadas, graças a fotógrafos célebres como Richard Avedon, Helmut Newton, Irving Penn e Lindbergh. Dois dos três lotes principais no leilão de fotografia realizado pela Christie's em abril em Nova York, por exemplo, eram compostos por imagens de Penn, e a foto "Mulher com Rosas no Braço", de 1950, que mostra Lisa Fonssagrives-Penn com um vestido de noite de Jeanne Lafaurie, foi vendida por US$ 185 mil.
A fotografia de moda também ganhou reconhecimento como uma parte importante da indústria de moda atual, disse Inez Van Lamsweerde, que, junto com Vinoodh Matadin, forma uma dupla conhecida nesse meio. Suas imagens de moda manipuladas digitalmente são expostas com frequência em espaços como o Museu Whitney de Arte Americana e a Bienal de São Paulo.

"Nós traduzimos a ideia dos estilistas em uma imagem que as pessoas querem adquirir", comentou Van Lamsweerde. "Hoje em dia isso é mais valorizado devido à internet e à necessidade de haver conteúdo interessante on-line em uma cultura saturada de imagens." NYT, 21.10.14 

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Patrimônio cultural vira alvo de facção

Por GRAHAM BOWLEY

Yasser Tabbaa, especialista em arte e arquitetura islâmica, lembra de ter visitado um santuário do século 13 dedicado ao imã Awn al-Din, em Mossul, no norte do Iraque. O prédio foi um dos poucos a sobreviver à invasão mongol e tinha um teto abobadado belíssimo, como uma colmeia.
Por isso, ele ficou consternado quando viu um vídeo na internet que mostrava o santuário sendo explodido pela facção Estado Islâmico (EI) e virando uma nuvem de pó. "Acabou-se, simplesmente", disse Tabbaa.
Checar como estão os tesouros culturais da Síria e do norte do Iraque virou uma tarefa que parte o coração de arqueólogos e estudiosos da antiguidade. A lista de obras destruídas, depredadas ou saqueadas só cresce à medida que o EI avança no Iraque.
Extremistas sunitas estão intencionalmente destruindo santuários, estátuas, mesquitas, túmulos e igrejas -qualquer coisa que vejam como exemplo de idolatria.
"Esta região representou o centro do mundo para todos os grandes impérios da humanidade", disse Candida Moss, professora da Universidade de Notre Dame, em Indiana. "Estamos falando em gerações sucessivas de história em um só lugar, todas sendo destruídas ao mesmo tempo."
Em um discurso no mês passado, John Kerry, o secretário de Estado dos EUA, prometeu ação. "Nosso patrimônio histórico e cultural corre perigo. Acreditamos ser imperativo agir", disse.
Nos últimos três anos de guerra, contudo, vários grupos internacionais chegaram ao limite do que podem fazer. Em muitos casos, a segurança de edificações históricas ficou a cargo dos moradores das redondezas, muitos dos quais correram riscos enormes para defendê-las.
Os estudiosos não sabem ao certo o que já foi destruído. Os artefatos variam de minaretes do início do século 20 a tesouros milenares. Para muitos especialistas, a maior catástrofe é a de Aleppo, um terminal mercantil da antiguidade e maior cidade da síria. A parte central do "souk", um grande e vibrante labirinto de lojas e pátios decorados do século 17, foi destruída pelo fogo. Era o coração comercial da cidade, importante para entender como as pessoas vivem desde os tempos medievais.
Os combates danificaram a Grande Mesquita de Aleppo, uma das mais antigas da Síria. Sua biblioteca, que continha milhares de manuscritos religiosos raros, foi queimada. O famoso minarete de mil anos foi derrubado. A icônica cidadela de Aleppo, um dos castelos mais antigos do mundo e sítio de escavações arqueológicas, erguida sobre um promontório rochoso maciço, também foi alvejada. Ela vem sendo usada como base por forças do governo e foi atingida por foguetes.
Para Charles E. Jones, especialista em antiguidades na universidade Pennsylvania State, parte dos danos pode ser reparada. Mesmo assim, "não será a mesma coisa. Quando uma construção foi derrubada, foi derrubada."
Mais ao sul, a guerra danificou o Crac des Chevaliers, um dos maiores e mais bem preservados castelos de cruzados no mundo, uma maravilha da engenharia medieval que atesta as correntes cruzadas das civilizações europeia e islâmica. Boa parte dos danos foi causada pela decisão do governo de bombardear posições rebeldes, mas, segundo especialistas, os trabalhos de reparo já começaram.
Parte dos saques a sítios arqueológicos sírios pode ter sido promovida ou incentivada pelo EI ou por redes criminosas maiores, mas tanto as forças governamentais quanto os militantes parecem estar se beneficiando.
Um dos lugares mais saqueados é Apamea, no oeste da Síria, que era um dos sítios romanos e bizantinos mais bem preservados do mundo, com uma rua em colunata e mosaicos. Agora, segundo especialistas que viram fotos aéreas, com todas as crateras deixadas pelos saqueadores, o sítio mais parece a face da Lua. "Levaram quatro a cinco meses para pilhar Apamea", disse Emma Cunliffe, consultora de patrimônio cultural. "Há muitos saqueadores com escavadeiras mecânicas."
Ainda mais grave, possivelmente, é a pilhagem de Dura-Eupopos, no leste da Síria. Fundado num platô à margem do rio Eufrates, o sítio foi um posto avançado e fortificado do império romano e contém um tesouro arqueológico multicultural, incluindo uma sinagoga do século 3° e um dos mais antigos exemplares de uma "casa-igreja" cristã, uma forma primitiva de arquitetura eclesiástica.
Mas, apesar de todos os danos causados pelos saques, nada assusta os estudiosos mais que os militantes do EI. "A velocidade com que estão avançando pelo Iraque realmente lembra o avanço dos mongóis", disse Sheila R. Canby, curadora do Metropolitan Museum, em Nova York.
Os militantes do EI e outros são motivados pelo desejo de punir a "shirk", ou idolatria. Sob essa justificativa, eles vêm destruindo sítios xiitas e sufistas, estátuas de poetas, relíquias mesopotâmicas da Assíria e da Babilônia e santuários sunitas que extrapolam os limites de suas crenças.
Extremistas atacaram igrejas de Maaloula e danificaram artefatos em Raqqa, no norte da Síria, onde destruíram uma estátua assíria de um leão do século 8 a.C.. Em Mossul, no norte do Iraque, e redondezas, os militantes já destruíram dezenas de santuários sufistas e xiitas menores, túmulos, mesquitas e construções do período otomano, segundo a arqueóloga Lamia al-Gailani Werr. Possivelmente a mais importante baixa cultural do EI até agora seja uma mesquita, destruída em julho, que continha o que se acreditava ser o túmulo do profeta bíblico Jonas, cuja história faz parte do cristianismo, do islã e do judaísmo.
As convenções internacionais deveriam ajudar a proteger o patrimônio cultural durante conflitos violentos. Mas, segundo Bonnie Burnham, do Fundo Mundial de Monumentos, o tratado principal -a Convenção de Haia para a Proteção da Propriedade Cultural no Caso de Conflitos Armados, de 1954- é pouco aplicada.
Existem programas pequenos: a Unesco e o Smithsonian Institute, por exemplo, estão ensinando curadores de museus sírios a proteger coleções. A Iniciativa do Patrimônio Cultural Sírio pretende publicar relatórios semanais e tem um site na internet para receber denúncias anônimas de danos.
Muitos esperam que o avanço desenfreado do Estado Islâmico perca força à medida em que o grupo for combatido.
"Quando eles começarem a perder terreno, terão outras prioridades", disse Burnham*
Colaboraram Anne Barnard e Tom Mashberg. NYT, 14.10.14