quinta-feira, 22 de maio de 2014

Rainha das bolinhas, artista japonesa Yayoi Kusama chega a São Paulo

SILAS MARTÍ - DE SÃO PAULO - 21/05/2014  02h06


No mundo da arte contemporânea, Yayoi Kusama, 85, é como um Fusca. Foi enorme sucesso, caiu de moda e depois voltou repaginado sem perder as curvas características —no caso dela, as famosas bolinhas coloridas.
Essa artista japonesa, que tem agora uma retrospectiva no Instituto Tomie Ohtake, é uma das maiores marcas globais da indústria da arte e não esconde isso. Mesmo nos anos 1960, quando estourou com o auge da arte pop e da histeria psicodélica dos hippies de Nova York, ela já operava como uma empresa.
"Este é um momento em que artistas funcionam como grifes. Jeff Koons é uma grife, Takashi Murakami é uma grife, mas ela antecipou tudo isso", observa Philip Larratt-Smith, um dos curadores da mostra. "Ela tem um dom natural para a publicidade."
Davi Ribeiro/Folhapress
Sala Espelhada ao Infinito', instalação de Kusama de 2011
'Sala Espelhada ao Infinito', instalação de Kusama de 2011
Não espanta então que do lado de fora das galerias onde estão suas obras haja fotografias da artista em várias fases da vida, retratada como diva alucinada, nua numa instalação de falos estofados, ou já como velhinha excêntrica de cabelos alaranjados.
Mas a mostra também revela as origens de tudo. Kusama, que hoje vive num hospital psiquiátrico em Tóquio, diz sofrer com alucinações desde a adolescência, enxergando o mundo sempre coberto de bolinhas coloridas.
Em suas primeiras pinturas, elas já estão lá, um tanto mais tímidas do que no tom estridente que ganhariam depois, mas visíveis nas telas mesmo em composições quase todas brancas, como sua série das "Redes Infinitas".
Nessa primeira sala também estão as primeiras esculturas de Kusama, criadas quando a artista se mudou nos anos 1960 de Tóquio para Nova York. São formas fálicas prateadas que transbordam de objetos domésticos, como sapatos e assadeiras.
Davi Ribeiro/Folhapress
I'm Here, But Nothing', instalação de Yayoi Kusama
'I'm Here, But Nothing', instalação de Yayoi Kusama
De certa forma, é um prelúdio aos happenings orgiásticos que ela capitaneou depois de abandonar a pintura abstrata que vinha fazendo.
"Ela tem duas histórias distintas", diz Frances Morris, outra curadora da mostra. "É uma artista de ateliê e ao mesmo tempo uma empresária engajada com a contracultura e o mundo underground."
Depois de um hiato em que se dedicou a escrever livros, Kusama retomou suas criações psicodélicas no fim dos anos 1990. Em paralelo à pintura, que hoje faz aos montes numa espécie de linha de montagem, ela criou uma sala iluminada por luzes ultravioleta cheia de móveis cobertos de bolinhas coloridas.
Na última sala da mostra, esses pontinhos que brilham no escuro viram lâmpadas que pendem do teto num ambiente espelhado. Seria, nas ideias da artista, a manifestação da alegria num mundo de voyeurs e exibicionistas. Folha, 21.05.14
YAYOI KUSAMA - OBSESSÃO INFINITA
QUANDO começa nesta quarta (21), para convidados; de ter. a dom., das 11h às 20h; até 27/7
ONDE Instituto Tomie Ohtake, av. Faria Lima, 201, tel. (11) 2245-1900
QUANTO grátis
AVALIAÇÃO ótimo 
www.canotusbrasil.blogspot.com
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terça-feira, 20 de maio de 2014

Silêncio no mercado contribui para falsificação de pinturas

Por PATRICIA COHEN
A prisão de dois irmãos espanhóis acusados de vender pinturas falsificadas como se fossem originais dos maiores mestres modernistas americanos voltou a apontar os refletores para um esquema fraudulento que existe há 15 anos, já acumulou US$ 80 milhões (R$ 177,1 milhões) e ajudou a desmoralizar a galeria mais antiga de Nova York, a Knoedler & Company, fundada em 1848.
Documentos judiciais referentes ao caso revelam que falcatruas ambiciosas como esta no mundo das artes dependem não só de uma operação conjunta engenhosa ou de um imitador talentoso.
Também é essencial haver pessoas, às vezes manipuladas sem seu conhecimento, que dem credibilidade a essas falsificações.
Alguns especialistas em arte que autenticaram fraudes de obras de Jackson Pollock, Mark Rothko e Robert Motherwell tiveram seus honorários de consultoria pagos pela Knoedler.
Outros estudiosos identificaram várias obras como falsas, mas foram instruídos por advogados a ficarem calados para evitar processos judiciais.
A pouca transparência no comércio de arte impede que se estabeleça um padrão -mesmo após algumas falsificações.
Esses problemas permeiam o mundo das artes visuais há décadas, disse Stephen Urice, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Miami.
E citou um despacho judicial de 1978: "Na terra da fantasia do marketing nas belas artes", nomes prestigiosos "desabam de uma hora para outra", e grandes quantias são transferidas rapidamente, escreveu o juiz J. Shorter, da Suprema Corte de Nova York.
No caso Knoedler, a única pessoa condenada até agora é Glafira Rosales, uma marchand de Long Island que se declarou culpada de fraude no fim de 2013.
Promotores dizem que, dentre os comparsas dela, estavam os irmãos José Carlos e Jesús Ángel Bergantiños Díaz, e Pei-Shen Qian, o imitador.
Os irmãos foram soltos sob fiança na Espanha e Qian está na China. Os negociantes que venderam dezenas dessas obras -Ann Freedman, ex-presidente da Knoedler, e Julian Weissman- continuam afirmando que tinham certeza de que elas eram genuínas.
Jack Flam, um dos primeiros a desconfiar da autenticidade das pinturas vendidas por Rosales, disse: "Dentre os fatores por trás do êxito desse esquema, o primeiro é que todos temem ser processados. As pessoas dão credibilidade a obras inadvertidamente mantendo o silêncio".
Flam é o presidente da Fundação Dedalus, grupo criado por Motherwell. Ele e seus colegas inicialmente ficaram impressionados com os supostos Motherwells, mas em 2007, quando o número de obras atribuído ao artista aumentou demais, eles desconfiaram.
Flam logo descobriu que o espólio de Richard Diebenkorn, a Fundação Willem de Kooning e a Fundação Barnett Newman também suspeitavam de obras postas à venda pela Knoedler.
"Todas essas fundações sabiam que havia algo errado, mas não estavam a par de que outras instituições tambêm tinham problemas", comentou Flam.
Em 2005, Eugene Victor Thaw, especialista em Jackson Pollock, disse que duvidava da autenticidade de dois quadros. Embora tenha comentado privadamente sobre suas suspeitas, Thaw foi impedido de dar opiniões formais devido a vários processos.
Em junho de 2008, meses após a Dedalus começar a fazer questionamentos, três especialistas da Barnett Newman confirmaram que uma suposta obra de Newman, de posse da Knoedler e exposta na Fundação Beyeler na Suíça, era falsificada.
No entanto, Yves-Alain Bois, um dos especialistas, escreveu em um e-mail para a Beyeler, que ele e seus colegas foram "orientados a não dar declarações públicas" por um advogado da Fundação Barnett Newman, o qual temia um processo.
Manter o silêncio é a norma. Museus, que antes davam opiniões sobre arte, deixaram de fazer avaliações.
A tradição de silêncio no comércio das artes pode mascarar sinais de advertência. Rosales não levantou suspeitas quando insistiu que o dono de supostas obras-primas -ao qual ela se referiu como X- pediu o anonimato.
E o uso da expressão "coleção privada" fez com que ninguém, além dos negociantes, soubesse que essas obras eram fornecidas por uma única fonte. "Manter segredo é algo que ocorre com enorme frequência nesse negócio", explicou Weissman.
Alguns donos de pinturas vendidas por Rosales talvez ainda não saibam que compraram falsificações, pois a Knoedler e a Weissman às vezes vendiam obras por meio de outras galerias. NYT, 20.05.2014
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segunda-feira, 5 de maio de 2014

Uma época, um livro e uma festa


04/05/2014  03h00

Amanhã o Metropolitan Museum de Nova York abre a escadaria para o baile anual do seu instituto de moda. A entrada custa US$ 25 mil, e o freguês terá passado pela seleção de Anna Wintour, a bruxa do filme "O Diabo Veste Prada", diretora da revista "Vogue", czarina da moda e princesa do mundo das celebridades. O "Met Gala" é o tapete vermelho mais bonito, rico e exclusivo do mundo. Quem não tiver a graça de pisá-lo poderá ir para um bar discutir o livro "Capital", do professor francês Thomas Piketty. Por caminhos diferentes, estará no mesmo mundo.
Piketty escreve com a elegância com que a atriz Gwyneth Paltrow se veste. Montado num banco de dados rico como a vitrine da joalheria Cartier, o professor é claro: o mundo entrou num período de concentração da renda. As pessoas e os países ricos ficarão mais ricos. Para as nações emergentes, inclusive o Brasil, fica a suspeita de que crescerão a taxas menores.
Nos Estados Unidos, essa época de ostentação da riqueza é comparada à "Gilded Age", que foi do fim do século 19 ao início do 20. A expressão designava uma abastança exuberante, porém superficial. Piketty não a usa, fala mais na "Belle Époque" francesa. A diferença está no fato de que uma teve o escritor Marcel Proust, e a outra, bilionários vulgares, cuja ideia de refinamento levava-os a copiar castelos e casar as filhas com nobres europeus quase sempre falidos, jamais monógamos, talvez heterossexuais. (Só na cesta dos duques, compraram 22.)
Durante a festa do século 19 também pontificava um jornalista. Ele organizava o baile anual de Caroline Astor e dizia que a elite de Nova York tinha 400 pessoas, o número de convidados que cabiam no salão da milionária. Na lista de La Wintour, entram 700 convidados. Ela é uma jornalista cuja determinação, instinto estético e visão comercial deveriam ser matéria de estudo para quem entra nesse ramo da profissão. (O teste de que uma pessoa é desprovida do sentimento da inveja está em admirá-la.) Wintour perfilhou o instituto de moda do Metropolitan, para quem vai o dinheiro dos ingressos. A partir de amanhã a nova ala de roupas do museu levará seu nome. Será inaugurada por Michelle Obama.
O baile de Piketty tem a harmonia de uma valsa. No início do século 20 os 1% que estavam no andar de cima ficavam com 20% da renda dos Estados Unidos e da Inglaterra. Até 1980 essa riqueza encolheu à metade, mas, a partir daí, voltou a crescer e retornou ao ponto inicial. A queda deveu-se a políticas sociais? Não, foram as duas guerras. Os bilionários de hoje seriam diferentes, afinal, Bill Gates fez a Microsoft. Tudo bem, mas a francesa Liliane Bethencourt (L'Oreal) tem US$ 25 bilhões e nunca trabalhou na vida. Herdou. Entre 1990 e 2010 as fortunas de ambos cresceram 13% ao ano, apesar de Bill Gates já ter parado de trabalhar.
O "Capital" é um monumento de pesquisa e elegância. Piketty trabalhou com acervos estatísticos jamais estudados, e reconhece que isso só foi possível porque apareceu o computador. Obsessivo, mergulhou até nas listas de bilionários das revistas de negócios, mesmo ressalvando que têm pouco valor científico. (Os brasileiros que compraram ações de Eike Batista sabem que é isso mesmo.) Se os números dos bilionários da "Forbes" merecem pouca fé, as carteiras de investimentos das universidades americanas merecem toda. Os patrimônios mobiliários daquelas que têm fundos com mais de um bilhão de dólares cresceram 8,8% ao ano entre 1980 e 2010. Já as pobrezinhas, com menos de 100 milhões, ficaram com 6,1% ao ano. Harvard, com US$ 30 bilhões, teve rendimentos de 10,1% anuais. (As reservas da Universidade de São Paulo encolheram.)
Quando Caroline Astor dava seu baile, o andar de cima sustentava que assim era a vida e o de baixo lotava as ruas para ver a passagem dos magnatas. A partir de amanhã o mundo poderá ver na rede imagens do baile de Anna Wintour. Retratará uma época. O "Capital no Século 21" também está na rede, em inglês, por enquanto. Sai por US$ 21,99.
www.abraao.com

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elio gaspari
Elio Gaspari, nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por 'As Ilusões Armadas'. Escreve às quartas-feiras e domingos.