quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Arte tecnológica fica mais 'contemplativa': Obras no Festival Internacional de Linguagem Eletrônica focam menos a tecnologia para priorizar aspectos formais

Curadora do evento diz que trabalhos fogem das projeções no escuro e se aproximam mais da escultura tradicional

SILAS MARTÍDE SÃO PAULO
Quando a fachada do prédio da Fiesp, na avenida Paulista, começa a acender e apagar com animações um tanto psicodélicas, paulistanos já sabem que está em cartaz o Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, o File, este ano em sua 15ª encarnação.
Mais uma vez, como de costume, uma obra ocupa a casca metálica do prédio, um colorido vulcão em erupção com lava eletrônica que escorre nas cores do arco-íris.
Lá dentro, o tom segue estroboscópico, com trabalhos que giram, piscam, berram e se mexem em velocidade cada vez maior, numa espécie de balada ultratecnológica.
Nada mal para quem acha os museus de arte lugares muito calminhos e estáticos. Mas é nesse ponto que o File deste ano parece inovar, deslocando o foco de obras escandalosas, calcadas no deslumbre da tecnologia, para peças mais contemplativas.
Logo na entrada, uma instalação do artista japonês Ei Wada em que fitas magnéticas se desenrolam vagarosas dentro de caixas de acrílico para depois serem sugadas de volta para o lugar é um contraponto delicado à algazarra que domina o festival.
Nessas fitas, está gravada uma valsa e seu lento desenrolar parece corresponder à cadência da música, dando uma dimensão física do som, até que a ação de rebobinar subverte esse espetáculo de forma um tanto violenta.
"Leva meia hora para a fita se desenrolar, mas ela volta para o lugar em um minuto", diz Wada. "É uma reflexão sobre o caráter físico do som, imaginando como sociedades futuras veriam esse velho suporte de gravação."
Outra obra nessa veia menos espetacular são cadernos criados pelo norte-americano Matt Kenyon. De longe, eles parecem ter folhas pautadas normais, dessas que se compram nas papelarias.
Mas cada linha é, na verdade, formada pela inscrição diminuta dos nomes de civis mortos no Iraque durante a ocupação americana do país.
"Levei esses cadernos para o almoxarifado do governo americano", conta Kenyon, sobre a obra que acaba de entrar para o acervo do MoMA, em Nova York. "A ideia é que isso entre nos arquivos permanentes do governo, que os nomes estejam debaixo do nariz dos que comandam essas operações."
FIM DA CAIXA PRETA
É nesse sentido que Paula Perissinoto, uma das organizadoras do File, diz que as obras no festival estão menos presas às caixas pretas, no caso, a projeções luminosas em ambientes sempre escuros.
"Esses novos trabalhos estão ganhando um caráter de escultura", diz Perissinoto. "Eles já têm um caráter mais plástico, são organismos vivos agora mais independentes da ação do espectador."
De fato, uma ala inteira deste festival tem vídeos mais convencionais, com a diferença que o que surge na tela é às vezes meio assustador.
Um deles é o clipe da banda japonesa Sayonara Ponytail, em que uma colegial canta um pop chiclete debaixo d'água numa piscina, com o detalhe que seus olhos estão arregaladíssimos. Dá medo. Folha, 27.08.2014.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Em feira, fotógrafos aderem à moda de fazer peças únicas: Na contramão da tecnologia, artistas querem devolver aura de raridade a imagens que deixam de ter edições

Oitava edição da SP-Arte/Foto começa hoje com destaque para fotos de tiragens baixas e preços mais elevados

SILAS MARTÍDE SÃO PAULO
Em tempos de imagens cada vez mais descartáveis, nada parece mais antiquado do que falar em aura de uma obra de arte. Mas artistas contemporâneos estão tentando devolver a sensação que se perdeu de estar diante de algo raro ao criar impressões únicas de suas fotografias.
Na contramão da revolução digital, artistas que mostram seus trabalhos agora na oitava edição da feira SP-Arte/Foto, no shopping JK Iguatemi, falam em "ressacralizar" o contato com a obra.
Uma delas é a "gigantografia" de Rodrigo Petrella --a visão de uma floresta que ocupa uma parede inteira do estande da galeria Paralelo só existe em cópia única, ao contrário de edições que podem chegar até as centenas no mercado da fotografia.
"Tudo ficou fácil e banal com a tecnologia, mas assim se torna uma visão única", diz Petrella.
Fotógrafo badalado do cenário atual, Caio Reisewitz também aderiu à moda da cópia única. "É legal por dar à fotografia um caráter exclusivo", diz. "Nas colagens que faço, não existe negativo. É uma peça feita à mão."
Ou seja, uma obra que pode custar mais caro. Quanto maior a tiragem de uma fotografia, menor o seu valor de mercado. Mas a concorrência cada vez mais acirrada por novos colecionadores vem fazendo galeristas e artistas buscar novos meios para tornar até algo passível de reprodução em artigo raríssimo.
VINTAGE
É o caso da galeria Luciana Brito, que concentrou suas forças em impressões vintage --aquelas ampliadas pelo próprio artista em vida-- de clássicos modernistas como Thomaz Farkas, Geraldo de Barros e Gaspar Gasparian e peças únicas ou raras de contemporâneos, como Regina Silveira e Marina Abramovic.
Um painel de imagens da artista sérvia na famosa performance "Art Must Be Beautiful", aquela em que se despenteia gritando que a arte deve ser bela, é uma das peças mais caras da feira, chegando a R$ 200 mil por ser a última de uma edição de três.
Na outra ponta do mercado, há obras na faixa dos R$ 1.000, essas com tiragens maiores, já que o grosso do mercado ainda não entrou na moda das peças únicas.
"É legal isso, mas não temos essa política", diz Lucas Cimino, da galeria Zipper. "Como a gente trabalha com artistas jovens, nossa ideia é disseminar o trabalho deles."
Um deles é João Castilho, nome que despontou nos últimos anos e tem forte presença na feira. Outro destaque, com obras de até R$ 150 mil, é o estande da Leme, com fotos imensas dos alemães Candida Hofer e Frank Thiel.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Nova diretora criativa da Tiffany quer quebrar padrão da joalheria: Francesca Amfitheatrof economiza pedras preciosas em criações

PEDRO DINIZ

COLUNISTA DA FOLHA
"Eu sei o que os homens querem, mas eles sabem o que nós queremos?" Em pouco mais de meia hora de conversa numa galeria de arte em São Paulo, a nipo-inglesa Francesca Amfitheatrof deixa claro a que veio: quer mudar radicalmente o mundo da joalheria, que hoje, segundo ela, "é masculino demais".
Anunciada como a nova diretora criativa da grife americana Tiffany & Co., Amfitheatrof é a primeira mulher líder de uma das marcas da santíssima trindade da joalheria mundial, que inclui as francesas Cartier e Van Cleef & Arpels, ambas comandadas por designers homens.
As mudanças propostas por ela já começaram e devem mudar a forma com a qual os designers enxergam o valor das peças, geralmente calcado na exuberância das pedras preciosas.
Em suas primeiras coleções para a marca, como a T Collection, a ser lançada na próxima semana, Amfitheatrof quase não inclui gemas. Na linha anterior, Blue Book, usou diamantes pontuais nas peças cujos valores ultrapassavam os quatro dígitos.
"As pedras são importantes, mas sou uma metalista', me interesso muito mais por materiais como a prata e o ouro e como eles podem virar objetos de arte", diz.
MATEMÁTICA
Ela criou com sua nova equipe de artesãos uma técnica para produzir colares, anéis e pulseiras a partir de cálculos geométricos. Daí saíram correntes entrelaçadas e anéis que, em vez de formarem um círculo fechado, têm uma fenda no meio.
Para se ter uma ideia da força que Amfitheatrof tem, ao dizer à "Vogue" inglesa que pode mexer no padrão da caixa de presentes da Tiffany --de um azul piscina que é marca registrada da casa--, ela foi assunto de artigos que questionavam o futuro da empresa francesa.
Pisar num território tão tradicional como o da joalheria não amedronta a designer, conhecida por sua amizade com artistas plásticos e galeristas pop britânicos, como Jay Jopling, fundador do White Cube e que colocou o nome da amiga em evidência.
"Vou transpor para as criações da Tiffany essa bagagem no mercado de arte, que, assim como o da joalheria, tem muito a ver com emoção", adianta Amfitheatrof.
Ela diz saber que muitos homens ainda compram joias como presentes para as mulheres. Mas seu objetivo é falar "às mulheres que consomem joias como uma extensão da própria personalidade", afirma. Folha, 13.08.14.
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    Mostra revê mestiçagem na arte do país: Exposição com mais de 400 obras desconstrói mitos sobre relações entre raças do Brasil colonial ao contemporâneo

    Embaralhando períodos históricos e correntes estéticas, curadores criam turbilhão de discursos sobre o tema

    SILAS MARTÍDE SÃO PAULO
    Um negro e uma mameluca estão lado a lado como símbolos da mistura de raças que construiu o Brasil atual.
    Essas telas do século 17 criadas pelo holandês Albert Eckhout, consideradas o retrato fundador do homem americano, sintetizam com certa ironia a ideia de "Histórias Mestiças", mostra agora no Instituto Tomie Ohtake com mais de 400 trabalhos sobre como a questão racial se manifesta na arte do país.
    "Um dos desafios dessa exposição é subverter o senso comum", diz a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, uma das curadoras da mostra. "Existe mestiçagem como mistura, mas ela é também separação. Esses discursos mestiços vêm da discriminação e do racismo violento."
    De fato, nesse panorama de arquivos históricos, obras inéditas e peças de mais de 60 acervos do mundo todo, a ideia de violência no trato entre as raças atravessa todos os trabalhos, algo às vezes latente, às vezes escancarado.
    Numa mesma parede estão um retrato acadêmico da princesa Isabel, cartões-postais com imagens de escravos no Brasil colonial, os autorretratos de Adriana Varejão com o rosto coberto de padrões indígenas e um esboço da "Negra", de Tarsila do Amaral, entre outas peças.
    É um coro de vozes que se atropelam, o que faz dessa mostra um tanto difícil de se ver --e isso é intencional.
    Noutra sala, três séries de trabalhos brigam pela atenção da mesma forma --em cima, desenhos de um índio, no meio, aquarelas de um artista viajante que mostra os primeiros contatos entre portugueses e indígenas e, embaixo, a série "Marcados", em que Claudia Andujar retratou índios como judeus num campo de concentração.
    "Não é tanto uma história da mestiçagem. É mais uma mestiçagem de histórias", diz Adriano Pedrosa, outro curador da mostra. "Tem certa pluralidade e inconstância."
    Nesse ponto, os vários momentos históricos, correntes estéticas e autores de origem distintas embaralhados na mostra vão derrubando qualquer noção de certeza para criar no museu um turbilhão perturbador, o que os curadores resumem como ideia de "fricção" entre os trabalhos.
    Mesmo alguns nomes mais conhecidos, como Alfredo Volpi, José Pancetti, Iberê Camargo ou Antônio Bandeira, aparecem na mostra com obras que fogem do estilo que os consagrou, todos eles com retratos figurativos de personagens negros ou mulatos.
    Outro ponto alto de "fricção" é a sala dedicada a obras têxteis de índios e grupos de escravos, em que motivos geométricos aparecem como signos de distinção entre tribos e nações, mas ao mesmo tempo ecoam as formas que dominariam o concretismo.
    "É outra maneira de ver", afirma Pedrosa. "Podemos pensar que a abstração geométrica já estava entre nós."
    RUÍDOS HISTÓRICOS
    Na mesma pegada desses ruídos históricos, uma das salas mais desconcertantes da mostra justapõe representações clássicas de momentos históricos brasileiros, como uma primeira missa de Rugendas ou o descobrimento visto por John Graz, a obras de artistas contemporâneos.
    Enquanto Thiago Martins de Melo revê a chegada dos portugueses como invasão violenta, Luiz Zerbini transforma a primeira missa em estranho ritual multirracial, solapando relatos históricos.
    Moritz Schwarcz, aliás, lembra que a mostra entra em cartaz num momento em que se discutem direitos civis no país. "É algo que se coloca bem na hora em que o país está tentando tirar um retrato 3 x 4 um pouco diferente."

    terça-feira, 12 de agosto de 2014

    Interesse das massas lota museus

    Por RACHEL DONADIO

    PARIS - Numa tarde em julho, a fila para entrar no Louvre dava a volta da pirâmide na entrada, atravessava um pátio longo e adentrava o seguinte. Dentro do museu, uma multidão se formava diante da "Mona Lisa", a maioria das pessoas fazendo fotos com seus celulares. Perto da "Vitória Alada de Samotrácia", Jean-Michel Borda, que tinha vindo de Madri, fez uma pausa no meio da multidão. "É como o metrô no início da manhã", comentou.
    No auge do verão europeu, milhões de turistas visitam o Louvre -o museu de arte mais movimentado do mundo, que no ano passado recebeu 9,3 milhões de visitantes- e outros grandes museus em toda a Europa. O número de visitantes aumenta a cada ano, refletindo o surgimento de novas classes médias, especialmente na Ásia e Europa Oriental. O Museu Britânico teve um número recorde de visitantes no verão passado e ao longo de 2013 recebeu 6,7 milhões de visitantes, sendo o segundo mais visitado museu de arte do mundo, segundo o "Art Newspaper". O número de visitantes da Galeria Uffizi, em Florença, no primeiro semestre de 2014 foi quase 4% superior ao mesmo período do ano passado.
    O público farto converteu muitos museus em espaços superlotados, obrigando as instituições a debater como conciliar a acessibilidade com a preservação das obras de arte. A maioria dos museus oferece ingressos com hora marcada. Para proteger as obras de arte, alguns estão instalando novos sistemas de ar condicionado. Mesmo assim, para alguns críticos essas medidas não bastam.
    No ano passado os Museus do Vaticano receberam 5,5 milhões de visitantes, um recorde de público. Este ano, graças à popularidade do papa Francisco, a previsão é que esse número suba para 6 milhões. O Vaticano está instalando um novo sistema de controle climático na capela Sistina para ajudar a poupar os afrescos de Michelangelo da umidade gerada pelas 2.000 pessoas que lotam o espaço em qualquer horário -recentemente, até 22 mil pessoas por dia.
    O diretor dos Museus do Vaticano, Antonio Paolucci, disse que sua instituição enfrenta um dilema: para proteger os afrescos, o número de visitantes não pode aumentar. "Mas a Capela Sistina possui um valor religioso simbólico para os católicos, e não podemos impor um limite."
    Mas as visitas a museus podem se tornar cansativas. A guia de turismo Patricia Rucidlo, em Florença, disse que as visitas à Accademia, famosa por abrigar o "Davi" de Michelangelo, viraram "um pesadelo" este ano porque agora é permitido tirar fotos.
    "Agora as pessoas se acotovelam diante das pinturas, pisam sobre qualquer pessoa, empurram, fazem uma foto e então avançam rápido, sem sequer olhar para a tela", ela escreveu em mensagem de e-mail.
    Para muitos, porém, vale a pena enfrentar as multidões e as filas longas. No Louvre, Manu Srivastan, 46 anos, de Jabalpur, Índia, contou que tinha vindo com sua família.
    Estavam esperando havia 45 minutos e ainda teriam que aguardar mais 15, mas não estavam incomodados. "O Louvre é uma experiência incrível", ele disse. "Você aprende muito e sempre quer voltar."NYT, 12.08.14.

    http://www.theartnewspaper.com